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JOSÉ MANUEL ROSENDO, EM ENTREVISTA EXCLUSIVA

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O jornalista e repórter de guerra, José Manuel Rosendo, falou da sua experiência profissional.
Leia a entrevista ao jornalista.


1) O que é ser jornalista de guerra?

Ser jornalista num cenário de conflito ou em qualquer outro
sítio, é exactamente igual. As regras são sempre as mesmas. O que muda num cenário de conflito é a perigosidade e por isso devemos ter algumas cautelas. Gosto de dizer, até para desmontar um pouco o mito do jornalista de guerra, que um jornalista não é um “Indiana Jones”.É certo que há situações de risco que são impossíveis de controlar. Por mais que façamos um plane
amento ponderado e cauteloso, há factores que nos escapam totalmente. Em regra, uma situação de conflito armado significa ausência de Lei e de Ordem. São frequentes os actos de banditismo e de condições difíceis de trabalho: dificuldade de comunicações, falta de locais para pernoitar, alimentação precária, etc…

2) O Jornalista que faça um directo em pleno cenário de guerra, corre ou não perigo de vida?

Normalmente, os directos são feitos em locais relativamente seguros, quando feitos a partir dos locais onde se instalam as agências que têm as ligações por satélite. Há casos em que as equipas de televisão utilizam o satélite portátil e nesse caso podem, de facto, fazer o directo de qualquer sítio. O
perigo existe sim, quando antes desse directo andamos no terreno a ver o que está a acontecer e a captar sons e imagens para podermos transmitir essa informação. Aí encontramos de tudo. Gente amigável e outra gente que nos detesta; gente agressiva; e também encontramos quem nos ofereça alimentos e, por vezes até dormida. De facto, é verdade que um tiro perdido nos pode atingir. Mas temos consciência disso. O risco deve ser assumido, embora façamos tudo para o evitar. Mas a guerra não deve ser um espectáculo. O importante é a i
nformação e não adiantará grande coisa (em termos informativos) estar em directo e a olhar pelo canto do olho para ver se algum perigo se aproxima. Isso pode ser mostrado através de imagens captadas anteriormente, editadas e depois transmitidas. Fazer jornalismo não é o mesmo que mostrar as aventuras do jornalista.

3) O antes, o durante e a pós-participação num cenário de conflito armado. Que sensações se intercalam no jornalista?

Há adrenalina. Em casos de conflito armado é impossível n
ão haver. Há risco e portanto a adrenalina aumenta. E já agora, não convém escamotear: também há medo. Por vezes há. Tal como há emoção, porque a guerra é uma realidade que deixa um rasto marcante, nomeadamente em termos de vidas perdidas. É impossível fugir a isso, mas é importante controlar as emoções. Depende muito da preparação que cada um tem para enfrentar este tipo de situações, sendo que podemos sempre ser surpreendidos por algo inesperado. Os jornalistas não estão no terreno para ter emoções. É verdade que são seres humanos, mas já sabem ao que vão. A nossa missão é informar
e para isso temos que manter a cabeça fria e não nos deixarmos arrastar pelas emoções. Ser frio e ter distanciamento em trabalho não significa ausência de sentimentos, emoções ou valores, nem significa que o jornalista não seja humano. É uma necessidade que, se não for cumprida, coloca em risco a missão que levamos para esses cenários de conflito. Pode parecer contraditório mas ao mesmo tempo que temos de mergulhar na realidade que temos que relatar, temos em simultâneo que não nos deixar sufocar por ela.

Depois, no regresso, cada um tem que saber gerir as emoções que traz. Muitas vezes passamos duma situação de elevado stress para outra de calma absoluta proporcionada por uns dias de descanso. Há uma sen
sação de vazio. A experiência ajuda a ultrapassar essa sensação de que devíamos estar noutro sítio.

4) A «guerra das audiências» pode por em causa o trabalho do jornalista num cenário de guerra?

Um conflito armado é um palco privilegiado para a guerra da informação. É preciso muito cuidado com a informação e com as respectivas fontes. Há sempre rumores para todos os gostos. O stress que atinge os jornalistas também toca os protagonistas e isso reflecte-se na informação que passam.

Há também quem conheça bem o valor da informação e tente utilizar os jornalistas. Acontece em situações de ausência de conflito, quanto mais em situações de guerra.

Muitas vezes a dificuldade de acesso à informação dificulta a interpretação do que acontece no terreno, por isso é importante manter um contacto frequente com a redacção. Quando isso é possível.

Seja como for, ao jornalista pede-se que relate o que vê e não que faça análise política ou militar. Pode fazê-lo, mas não é esse o objectivo de alguém que vai para um local de conflito fazer reportagem.

ENTREVISTA EXCLUSIVA A PAULO MAGALHÃES, TVI

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Paulo Magalhães, encontra-se actualmente à frente na Edição das 10, no TVI 24, que conta com o comentário semanal de Luís Marques Mendes, às quintas-feiras.

Leia agora a entrevista exclusiva ao jornalista.

1) Como foi crescer em Lisboa?

-Aqui não há história, sou de Lisboa, nado e criado em Alvalade, numa altura em que por vezes nas Avenidas Novas ainda passavam rebanhos de ovelhas, o leite e o pão eram entregues à porta de casa e o Bairro de São Miguel, em Alvalade, parecia uma aldeia, com as crianças a brincar na rua, à solta, ao longo de todo o dia.-

2) Que brincadeira com os seus colegas guarda da sua memória de infância?

- As descidas de ruas mais íngremes em carrinho de esferas.

3) Desde sempre quis ser jornalista?

- Só na adolescência, quando optei pela área de Humanísticas se começou a desenhar essa hipótese; tenho um irmão mais velho que foi jornalista da Lusa e que me influenciou, embora sempre tenha preferido a Rádio como caminho.

4) Como inicia a sua ligação à rádio? Considera que a rádio é uma boa escola para quem posteriormente quer fazer televisão?

- Ainda no tempo das rádios piratas, havia no Instituto Superior Técnico a RUT, Rádio Universidade Tejo; aí, estando eu já a frequentar Comunicação Social na Uni
versidade Nova de Lisboa, tive com alguns amigos um programa de informação semanal chamado “Nevoeiro” e assegurávamos também os três noticiários diários da
“estação”; depois foi uma questão de sorte: durante o último ano de facu
ldade, foi criada a TSF, depois de um curso em que tive a sorte de ser dos que ficaram para arrancar com o projecto; éramos todos jovens, cheios de ideias, cheios de genica e, sob a batuta sábia do Emídio Rangel entre outros, fizemos uma Rádio diferente, de notícias, com Alma, que rapidamente se impôs; desses tempos datam muitas das melhores amizades, com gent
e que está hoje espalhada um pouco
por vários
órgãos de comunicação social. Passados uns anos, fui com a Elisabete Caramelo fundar a TSF Porto, cidade onde vivi cerca de ano e meio, e onde fui convidado para a Rádi
o Renascença, uma grande Casa, onde aprendi imenso, viajei pelo Mundo e se me entranhou o tal “bichinho” da Política.
A Rádio foi para mim a MELHOR escola de jornalismo, aprende-se a es
crever como se fala, porque a linguagem de rádio tem de ser oral, a ser sintético, a ir log
o ao mais importante e também me tem ajudado nesta nova etapa na TVI.

5) Acredita que uma voz com sonoridade tem de ser bem trabalhada, ou é algo inato, ou tem ou não te tem?

- A voz é algo inato, nasce connosco, mas pode sempre ser melhorada em termos de colocação e entoação; agora o que pode e deve ser trabalhada é a dicção, a articulação das palavras, a respiração, e há excelentes profissionais que nos podem ajudar nessa matéria.
6) Como surge a oportunidade de vir para a TVI?

- A oportunidade foi um convite da Constança Cunha e Sá, então Editora de Política da TVI, pouco antes do arranque do TVI24, há cerca de dois anos. É alguém de quem sou amigo e que admiro há já muitos anos, e veio “desinquietar-me” à Renascença onde eu de resto já era Editor de Política; ainda estive na dúvida, mas depois pensei que era um bom desafio, uma experiência nova, e pronto, cá estou.

7) Vemos o Paulo como pivô da informação no jornal da 10, no TVI 24. Como é um dia normal da sua rotina, até à apresentação do jornal?

- Chego à TVI por volta da hora do almoço e preparo as entrevistas e os debates do dia, depois de ler os jornais; como a actualidade é muito mutável e variada, e ninguém sabe tudo sobre tudo, tenho muito que estudar. À hora do Jornal Nacional é tempo da caracterização, saio de Queluz por volta da meia-noite.

8) Acha que um jornalista consegue desligar-se completamente da sua profissão, ou é muito complicado, mesmo em férias?

- Completamente nunca, mas até por causa de filhos, mulher e família, além da própria sanidade mental, faço por “esvaziar” a cabeça durante as férias e por desligar a ficha, leio menos jornais, televisão vejo só mesmo o essencial.

9) Reportagem no terreno ou pivô da informação? Porquê?

- Uma coisa não impede a outra, são acumuláveis e até é bom que o sejam; os pivôs correm o risco de não só perder fontes de informação, como também de se alhearem da vida real, de se limitarem apenas ao jornalismo sentado; de resto, o que gosto mesmo mais de fazer são as campanhas eleitorais e os congressos partidários, tudo cheio de adrenalina e notícias, que puxam muito mais por nós do que o trabalho em estúdio.

10) É adepto das redes sociais? Em que circunstâncias?

Sim, mas não obcecado; são boas fontes informais de informação e servem por vezes para reatar ou manter laços com quem está longe.

11) Qual foi a reportagem que o mais marcou até ao dia de hoje, porquê?

- A reportagem que mais me marcou não tem nada a ver com política; há alguns anos a Argélia estava em guerra civil, os islamitas que tinham sido ilegalizados, desenvolviam acções terroristas por todo o pais e o governo militar também não era flor que se cheirasse; fui o primeiro português a aterrar em Argel, percorri o pais, ouvi e contei histórias d
uras e cruéis mas que me solidificaram muito quer pessoal quer profissionalmente, e vi pela primeira vez gente morta á minha frente nas ruas.
De outro ponto de vista (e porque as reportagens foram muitas e marcantes) tive o privilégio de estar em Roma quando morreu o Papa João Paulo II; cheguei dois ou três dias antes da sua morte, fiquei até á eleição de Bento XVI; e assisti às emoções, á tristez
a, ao milagre da fé de milhares e milhares de pessoas que foram à Praça de S. Pedro para se despedirem do agora Beato João Paulo II.

13) Acredita que o jornalismo consegue ser independente a 100% da política e do Estado? Porquê?

- Sim, deve ser, tem de ser; é essa a raiz da própria profissão, a credibilidade cai de pantanas se se quebrar o dever de isenção; agora, há formas de pressionar jovens jornalistas, precários e mal pagos como o são cada vez mais nos nossos dias, por forma a que nem sempre todos os pormenores da historia sejam contados; há as represálias através do corte na publicidade que alimenta os mass media privados, há as simpatias excessivas, tudo, ou q
uase tudo legitimo da parte “deles”; é uma luta que deve ser travada e ganha pela profissão.

14) Como vê a nova equipa de directores da informação da TVI, José Alberto Carvalho e a Judite de Sousa?

- Com enorme esperança e optimismo, são profissionais de mão cheia, com ideias e um rumo, que pensam a Televisão alem do imediato e que de resto, desde que cá chegaram, já deram provas e marcaram, no caso da Judite, a própria actualidade.

15) Como é que foi entrevistar a pintora Paula Rego?

- Acima de tudo, muito divertido; é uma senhora que não tem pa
pas na língua, que deu já todas as provas que tinha de dar, que diz tudo o que pensa; é uma grande figura portuguesa, que rompeu as fronteiras de uma mulher nascida durante o Estado Novo, que pinta com alma os fantasmas dela e nossos, e que ao mesmo tempo guardou uma ingenuidade quase infantil e muito pura na maneira como ve o mundo.

16) Como é que vê a actual conjuntura económico-política do nosso país?
Costuma reunir-se com o comentador das quintas-feiras, Luís Marques Mendes para falarem do que abordaram no comentário semanal, ou tudo surge naturalmente?

- Com o Dr Marques Mendes já estamos em velocidade de cruzeiro: no inicio, há mais ou menos um ano, costumávamos reunir todas as semanas ás segundas feiras, para analisar os temas e escolher os que iriam ao programa; depois falavamos mais duas ou três vezes por telefone; hoje em dia, é mais só por telefone que acertamos os pormenores, temos longas conversas e por vezes discussões sobre os ângulos pelos quis se deve pegar na actualidade, sobretudo sobre os “mais” e os “menos” da semana…
Quanto á situação do pais, é grave e preocupa-me, sobretudo pelos meus filhos e pelo futuro deles e do país, mas também sei que temos mais de oito séculos de história e quero crer que amanhãs mais sorridentes nos aguardam.

18) Paulo Magalhães, Paula Magalhães: afinal é só os nome que os une ou também uma grande relação de amizade?

- Conhecemo-nos apenas quando entrei para a TVI, não há qualquer laço familiar que nos una, mas costumamos brincar com a coincidência. Recebemos correio e telefonemas trocados todas as semanas e até já falámos em ter um programa “Magalhães e Magalhães”, que com a minha inteligência e a beleza dela, seria um sucesso de certeza…

19) Que conselhos gostaria de deixar aos futuros jornalistas deste país?

Não dou conselhos, cada um é si próprio e a sua circunstancia, mas sei que a vida de jornalista, e sobretudo de jovem jornalista, é hoje muito mais complicada do que quando eu comecei; o mercado não chega para tanta oferta, há muita exploração dessa mão-de-obra barata, é uma vida dura em que é preciso persistir.

ENTREVISTA EXCLUSIVA A PATRÍCIA MATOS, TVI

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1) A Patrícia é ribatejana. Como foi crescer nessa zona do país?

Sim, sou ribatejana, natural de Santa Margarida da Coutada, a Sta. Margarida do Campo Militar. Vivi lá até aos meus 12 anos. Depois mudei para o concelho de Abrantes. Como já é Médio Tejo, já não é uma paisagem composta apenas de planícies. Crescer ali foi maravilhoso, das melhores coisas que tive na vida. Lembro-me de correr os cabeços com o meu pai à procura de um pinheiro que servisse como àrvore de Natal, do cheiro da terra molhada e dos regressos a casa depois da escola. Éramos poucos miúdos e eu sou filha única, era sempre uma festa.

2) Com que idade aprende a ler ? Lembra-se da sua professora primária. Como era ela?

Não recordo a idade mas sei que aprendi a ler muito cedo. Lia bem, não me enganava, fazia bem as pontuações, os meus primos achavam o máximo e a minha mãe não se cansava de me gabar. Tive duas professoras, na primária. Uma delas, a Dna. Justina, já tinha sido professora dos meus pais. Rigorosa! A prof. Glória era também muito exigente. Tinham ambas imenso trabalho comigo… era danada para a conversa!

3) Qual a história de encantar que marcou a sua infância, porquê?

Nunca me deixei levar por histórias de encantar, a sério. Lembro-me que gostava muito do Peter Pan, mas acho que não se pode chamar uma história de encantar…! Aquela fantasia da Terra do Nunca fascinava-me muito. Acho que todos queremos a ‘nossa’ terra do nunca. Não um sítio onde sejamos sempre crianças… mas o nosso mundo. E era isso que me entusiasmava- um mundo, uma ‘terra’ como eu queria!

4) Com que idade se apercebe que gostaria de ser jornalista

? Sempre o quis ser? ou nem sempre esse era o seu sonho?

Quando era miúda queria ser professora de inglês. Comecei cedo a estudar a língua e estava convencida que tinha futuro! Depois cresci, descobri outras coisas. A minha mãe tinha um amigo locutor de rádio que me disse que tinha uma boa voz. Nem fiz caso. Rádio? Que disparate! O ‘disparate’ virou caso sério. Comecei a fazer rádio por carolice aos 12 anos, numa rádio local. Depois, só depois, surge a paixão pelo jornalismo. Sempre na rádio, fiz programas de autor e noticiários… até entrar na faculdade. Depois o tempo escasseou… e apareceu a televisão!

6) Quem eram os seus jornalistas de referência durante a

sua adolescência? Porquê?

Lembro-me do José Rodrigues dos Santos, da Judite de Sousa, do Mário Crespo, a Luísa Fernandes, a Paula Magalhães, o Carlos fino. A imagem, o rigor, dei

xavam-me nervosa e entusiasmada ao mesmo tempo. Mas eu era mais rádio… o fascínio das vozes: o Sena Santos, o Adelino Gomes e, noutra vertente, dois Antónios: o Macedo e o Sala.

7) Onde se forma como jornalista?

Estudei no Instituto Politécnico de Portalegre, formei-me em

Jornalismo e comunicação. Eu e mais uns quantos colegas provámos que é possível vingar no mun

do profissional. Sem falsas modéstias. Lembro-me de alguém me perguntar se era ‘o Portalegre do Alentejo?’. Era, pois era. O curso deixou-nos muito preparados mas claro que só a prática nos dá tudo. Sentimo-nos muito orgulhosos por ter chegado a uma redacção e saber escrever uma notícia. Não temos poderes mágicos mas sabemos que a realidade é bem diferente. Ain

da durante o curso estagiei na Antena 1 e TVI e passei por 2 empresas de comunicação.

8) Qual foram os seus primeiros trabalhos no jornalismo?

Na rádio foram vários, não me lembro. Depois de terminar o estágio tra

balhei numa empresa de comunicação que tinha vários projectos de publicações: saúde, desporto, académica. Como estive no desporto, na Antena 1, estava mais confortável na área. Depois, passei por outra agência de comunicação onde escrevi sobre saúde. Essa foi uma área em que trabalhei bastante na TVI. Sei que no meu 2º dia de estágio em Queluz fui para o aeroporto com o repórter de imagem, esperar o corpo de uma português morto no Brasil. Dramático. Agosto. Horas a fio. Sol insuportável. Resistimos!

9) Lembra-se ainda do seu primeiro directo em TV. Que peça apresentou. Lembra-se?

Lembro. O 1º directo aconteceu exactamente um ano depois de ter en

trado para a TVI pela primeira vez, nessa altura ainda enquanto estagiária. Foi um directo de um incêndio no Belas Clube de Campo. Foi no Jornal Nacional, ainda não havia TVI 24. Acho que não correu mal… No estúdio, foi no dia 28 de Fevereiro de 2009, o TVI Jornal, as 14h.

10) Pivô ou repórter? Porquê?

Jornalista! Sempre! Enquanto jornalista preciso muito proc

urar, escrever e contar. Não faz sentido ficar só à espera que as notícias venham ter connosco para as comunicarmos. Faz sentido sermos nós a contá-las. E, de resto, um bom pivot é aquele que conhece a historia e a Históri

a. Que já esteve nos locais e sabe do que fala. E para isso é preciso trabalhar todos os dias. Informar e ser informado. Nada cai no colo. Não há sucesso sem trabalho. O estúdio dá-nos a postura que precisamos ter na rua, ensina-nos a ser disciplinados e mais formais. Hoje os pivots já são jornalistas e não vamos ser hipócritas: toda a gente sonha com o

lugar de pivot. Eu também sonhava mas mais nunca pensei que fosse uma realidade t

ão próxima!! Tenho um amigo que diz ‘hei-de estar a passar a rua, de bengala, e os meus olhos vão andar à roda à procura de uma história’. Nada mais certo!

11) Como foi dar a conhecer aos telespectadores a

residência oficial do Presidente da República?

Foi um trabalho muito engraçado. Um formato diferente, que ap

resentámos no Diário da Manhã. Pessoalmente, já conhecia o Palácio de Belém mas foi uma visita muito particular e muito agradável! Encontramos sempre coisas novas!

12) Lembra-se de alguma situação caricata em TV, que quando se recorda da-lhe vontade de rir, pelo acontecimento em si?

Várias… os realizadores esperam pelo final do jornal ou pela meteorologia para ‘aliviar um bocadinho’ e essas alturas são complicadas de gerir!! Eu consigo

mas nem sempre é fácil, há toda uma equipa a rir e nós temos de aguentar! São períodos muito longos, a concentração é máxima e há sempre qualquer coisa que falha. Lembro-me de ter um editor a canta

r os parabéns no meu auricular, durante o jornal, um assistente debaixo da mesa porque houve uma falha técnica, de ter trocado de camisa no meio do estúdio.

13) Para si, o que é ser jornalista?

É levantar pedras, mexer em papéis, acordar pessoas, fazer perguntas incómodas e não esperar as respostas. É respirar fundo, dormir nos intervalos do trabalho. É superar-se todos os dias, procurar mais, fazer melhor e ir mais além para contar aquilo que as pessoas ainda não sabem. Ensinaram há muito tempo que, independentemente do interesse que representam, todas as histórias são dignas e merecem, por isso, ser bem contadas.

Acredito que ser jornalista é quase como ser mãe: não ter horas, estar sempre disponível, sempre à procura do melhor momento e ter sempre uma palavra preparada. Na crónica do 2º aniversário do jornal ‘i’, Hugo Gonçalves dizia que «não é a mesma coisa ser jornalista e ser electricista. (…) Ninguém percebe de fusíveis e no entanto toda a gente comenta notícias. Ser jornalista é mais que um ofício, é uma tirania que

se escolhe.” Ser jornalista é difícil mas não trocava esta vida por nada!

14) 4 de Setembro de 2009. Que horas eram quando soube que seria a Patrícia a apresentar o Jornal Nacional de 6.ª, que até então tinha Manuela Moura Guedes na sua condução?

Nunca falei sobre este assunto. Já passaram quase 2 anos, já há algum distanciamento. Mas esta vai a ser a única vez. Sem me alongar… temos de recuar um dia.

Soube no final do dia 3 de Setembro.

15) Por quem soube que seria pivô nesse dia?

Fui convidada pela Manuela Moura Guedes. Perguntou-me se apresentava o jornal. Disse que sim. Fui convidada, não obrigada. Ao contrário do que se disse na altura.

16) Que misto de sensações a rodearam nesse momento e mais tarde às 20 horas em ponto, quando sabia que muitos portugueses queriam s

aber o que iria acontecer?

Aconteceu tanta coisa nesses dias que nem sei o que senti. Foi uma tarde muito complicada. Nervosismo, obviamente, e grande responsabilidade. O país inteiro estaria a ver o jornal naquele dia e a razão não era, naturalmente, por ser eu a apresentar.

17) Teve a oportunidade de falar com Manuela Moura Guedes após a apresentação do jornal? Em caso afirmativo, o que ela lhe disse?

Sim, falámos. A equipa do JN 6ªfeira estava à minha espera à po

rta do estúdio. A Manuela agradeceu o meu trabalho e eu agradeci o voto de confiança.

18) Como vê o TVI 24 no mundo do jornalismo?

Como uma potência emergente, assim como uma economia poderosa! Conheço bem o canal, ajudei ao nascimento. Está a dar passos pequenos mas sólidos e isso é o mais importante. Saímos em último lugar: lutamos contra o hábito, a História mas não desistimos, nunca! 2011 vai ser o ano do TVI 24.



ENTREVISTA EXCLUSIVA AO JORNALISTA DA TVI, JOSÉ GABRIEL QUARESMA

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José Gabriel Quaresma é jornalista na TVI na área do desporto juntamente com a sua esposa, editora de política, Carla Moita. Leia agora as revelações surpreendentes feitas pelo jornalista em exclusivo.


1) O Zé considera-se mais lisboeta ou ribatejano?

Sou de Vila Franca de Xira, mas fui nascer a Lisboa. Sou ribatejano, mas ter nascido em Lisboa dá-me o rótulo de “Alfacinha”, permite-me dizer, quando me dá jeito, “nasci na capital”, mas é a alma ribatejana que me enche de orgulho. Crescer naquela vila, (agora cidade) foi algo de maravilhoso. Fui criado pela minha avó, até ao dia da sua morte, pelo que frequentávamos os melhores cafés da cidade, comíamos sempre em restaurantes… fomos a primeira família a ter televisão em Vila Franca de Xira, a vila (cidade) tinha uma dinâmica muito especial, famílias burguesas que se misturavam com famílias de trabalhadores, a lota, as varinas, as brincadeiras nas ruas, íamos aos outros bairros atacar os nossos inimigos com flechas feitas com as varetas de chapéus-de-chuva velhos, fazíamos jogos de hóquei “sem” patins, os jogos de futebol no campo da “Mina” ou na “Rua de Trás”, com bolas feitas de espuma e couro, que o senhor Luís “Correeiro” nos dava, as corridas com carrinhos de rolamentos, os peditórios para as festas dos santos populares, as esperas de touros, os mergulhos no Tejo, e tanta, tanta coisa que não cabe neste texto, mas que faz parte do meu ADN. A minha namorada eterna…crescer em Vila Franca, naquela Vila Franca foi das coisas mais belas da minha vida.

2) Quando era mais pequeno, o que o fascinava mais na televisão, séries, programas… Quais e porquê?

Tantas…Tarzan, Pipi das Meias Altas, Sítio do Pica-Pau Amarelo, Bonanza, Uma Casa na Pradaria, Os Marretas, Rua Sésamo, Gabriela Cravo e Canela, Escrava Isaura, Sandokan, Verão Azul, Cornélia, 1,2,3, podia estar aqui um dia inteiro…na televisão em particular, nessa altura, nada me fascinava, nas séries e programas fascinavam-me as personagens, as histórias, eu seguia tudo aquilo, sabia a que horas passava, em que dias… naquela altura a televisão era a única alternativa à rádio, que me fascinava muito mais, enquanto plataforma de comunicação, sentia que havia na rádio, mais magia. Hoje sou jornalista, e há um nome da televisão, desse tempo e deste, que me marcou profundamente, Carlos Pinto Coelho.

3) Era bom aluno a português? E a Matemática?

Eu sempre fui bom e mau aluno. Os professores chamavam a minha mãe a escola e diziam-lhe “o seu filho é um dos melhores alunos da turma, mas é o que mais distrai os outros”. Por isso nunca fui além do “4”. Nunca tive um “5”. Era melhor aluno a Português que a Matemática, aliás, era melhor aluno a tudo, menos a Matemática. Isto no secundário, porque na primária era bom aluno nas duas disciplinas. Mas safei-me sempre. A Português, porque com o pouco que eu sabia, com a simpatia dos professores (ganha a custo – risos) e com o que a minha namorada escrevia na carteira (como tinha aulas na hora antes da minha turma deixava-me as respostas dos testes escritas na mesa) conseguia sempre ter acima dos 60%. A Matemática, havia o Luís Câncio que me fazia os testes…Hoje, sou muito melhor, sem dúvida, a Português que a Matemática.

4) Com que idade chega à conclusão que o jornalismo seria a sua vocação?

Aos 22 anos. Nunca tive o “sonho” de ser jornalista, aliás, nunca tinha dormido sobre o assunto. Mas a tal namorada de que falei antes (minha mulher) foi editora na Rádio Renascença muito nova, e nessa altura, seguia o seu trabalho, e comecei a apaixonar-me pelo jornalismo. Tomada a decisão, fui em frente, derrubei algumas barreiras e cheguei ao meu destino.

5) Onde se forma?

Até aí fui privilegiado. Fiz o primeiro e único curso de dois anos no CENJOR, Formação Geral em Jornalismo. Fui o primeiro em rádio, o segundo em televisão, o quarto em foto-jornalismo e o sexto em imprensa. Tive professores, do melhor que existe, fosse em disciplinas técnicas, ou em disciplinas complementares. Joaquim Furtado, Cesário Borga, Manuel Tomás, Dias Miguel, Mário Contumélias, Fernando Cascais, estes alguns deles. Fui um dos 13 apurados entre 1200 candidatos, mas só entrei à terceira tentativa. Sou do curso a seguir ao da Catarina Furtado. Velhos tempos. O CENJOR é, para mim, a melhor escola de formação de jornalistas, em Portugal. E eu, digo-o com orgulho, sou um dos “formandos” que ainda hoje, 19 anos depois, ainda sou lembrado por toda a gente. Isso enche-me de orgulho. Depois, formei-me lá, como formador certificado, e formei lá, muitos jornalistas que hoje estão na primeira linha. Fui professor de alguns nomes conhecidos da nossa praça.

6) Qual o seu primeiro trabalho em jornalismo?

Uma volta a Portugal em Bicicleta. Estava eu a começar, na Rádio Ribatejo, na Azambuja. Foi uma emoção!

7) Lembra-se do seu primeiro directo em TV. Que acontecimento estava a cobrir ou relatar?

Lembro-me perfeitamente. Foi em 1994, no Estádio Nacional, foi um directo para o programa Contra-Ataque, da TVI, que depois tive o prazer de o apresentar durante muitos anos. Era o Humberto Pereira, o cameramen que estava comigo. Era uma manhã de sábado, o Benfica treinava no Jamor, não me recordo porquê… Lembro-me que as palmas das mãos não secavam, ao contrário da boca, totalmente seca. A partir desse directo, a televisão em Portugal, nunca mais foi a mesma…

8) Dentro do jornalismo, considera-se um jornalista de desporto, ou gosta de fazer de tudo um pouco?

Há um ano e meio deixei a editoria de desporto. Fui convidado para a equipa de Grande Reportagem da TVI, onde permaneço. Durante os quinze anos que trabalhei no desporto da TVI, nunca me considerei jornalista de desporto. Há jornalistas, ponto. Há depois, jornalistas que ao longo da carreira vão trabalhando determinadas áreas e que, por isso, ficam mais conhecedores dessas matérias. Eu, gosto de fazer de tudo um pouco, e faço. Em televisão fiz praticamente tudo, directos, reportagens, falsos directos, apresentação, tudo o que se possa imaginar. Neste momento, por exemplo, numa altura de mudanças na TVI e de convulsão no país, quando estou disponível, faço de tudo um pouco. Hoje, cada vez mais, um jornalista deve especializar-se em nichos, mas como costumo dizer, um bom jornalista é aquele que é especialista, em generalidades. Mas foi garantidamente o desporto, a melhor escola que podia ter, e que tantas portas me abriu. Devo ao desporto a minha carreira.

9) Como surgiu a oportunidade de redigir o livro de Pedro Mantorras – Livro Directo?

Na altura, eu e o Pedro éramos muito amigos. Um dia, ele veio a um programa da TVI e fomos almoçar. Não falámos do livro. À noite telefonei-lhe e perguntei-lhe: “Pedro, toda a gente tem um livro, não queres que eu escreva o livro da tua vida?”, e ele respondeu de imediato que sim. Seis meses depois, saía o Livro Directo, que foi top de vendas durante dois meses. Só foi pena termos editado o livro com a PrimeBooks, uma pequena editora, que não funciona nada bem, não promove os seus autores, e é gerida por uma pessoa muito mal formada. Se tivéssemos escolhido uma outra editora, o Livro Directo tinha sido um enorme sucesso, mais do que foi. Aliás, a editora é tão, diria, pouco ortodoxa, que eu e o meu advogado estamos a preparar uma acção para apresentar em tribunal, pois o livro foi publicado em Angola, à minha revelia. Há muitos milhares de euros desse negócio por liquidar, mas isso é um assunto para os tribunais. Apenas dizer, que comecei a tornar-me próximo de Mantorras, e vice-versa, quando estava a recuperar de uma operação ao meu joelho, numa clínica onde estava ele e Nuno Gomes. Ficámos amigos, até ao momento em que ele participou com o editor na alta traição de que falei.

10) Como se encontra o processo gerado em torno desse mesmo livro, pelo médico Bernardo Vasconcelos? Acha que havia motivos para a abertura desse processo?

Se havia motivos ou não, não me cabe a mim dizer. Bernardo Vasconcelos sentiu-se ofendido e processou-me, a mim, ao Mantorras e ao Benfica, curiosamente, não processou a editora, vá-se lá saber porquê? Mas se Bernardo Vasconcelos entendeu ter motivos de queixa, já o tribunal entendeu o contrário, no que a mim diz respeito. O que vou contar, não é público, aliás, é a primeira vez que é tornado público, o juiz de instrução decidiu não me pronunciar, pelo que eu, não vou a julgamento, ao contrário de Mantorras, mas apesar de sermos ambos arguidos, tínhamos defesas separadas, aliás, segundo o que me foi dado a saber, Mantorras nem compareceu no tribunal, nem eu... Dizer também, que Bernardo Vasconcelos chegou a ser expulso, pelo juiz, da sala de audiências por comportamento incorrecto. Eu sempre estive tranquilo. Se tivesse ido a julgamento tinha provas materiais para apresentar, mas ainda bem que não fui. Em 19 anos de profissão fui seis vezes a tribunal por crimes relacionados com abuso de liberdade de imprensa. Nunca fui condenado.

11) Uma das situações pelas quais o Zé ficará conhecido, é sem dúvida a queda do seu pivot (dente) em directo. Afinal o que se passou? Tinha ido há pouco tempo ao dentista, sentia-o mexer…

Hoje dá vontade de rir… Na altura foi muito mau. Estava no décimo oitavo directo do dia, eram perto de três da manhã. Vale e Azevedo tinha acabado de ser eleito presidente do Benfica, era a loucura dentro do pavilhão. Quando ele entrou fomos literalmente abafados pela multidão, perdemos cabos, auriculares, perdi o contacto visual com o cameramen. Quando Vale e Azevedo termina o discurso, já estava eu a fechar o último directo daquela longa operação especial, cai-me o dente da frente. Era um pivot que durava há uns quinze anos. Não abanava, não dava sinais de querer cair, mas caiu. Às quatro da manhã vieram dar-me o pivot de volta, tinham-no encontrado. Eu estava sentado numa cadeira, no meio de um pavilhão vazio, a deitar contas à vida…a reacção foi, “tenho que assumir isto!” (tudo em segundos) e assumi, foi o melhor que fiz, entrei para a história da televisão em Portugal e no mundo, pois não há registo de tal coisa ter acontecido a nenhum jornalista, em nenhuma televisão. Eu, neste caso, sou único.

Zé Gabriel quaresma fica sem o pivô em directo (5:10 min.)


12) Como é lá em casa, uma jornalista da área da política, Carla Moita, outro ligado ao futebol. Há entendimento possível?

Eu conheci a minha mulher em 1985, pelo que nós tornámo-nos jornalistas muito depois disso. Já foi mais fácil separar as águas. Ela, trabalha na TVI (também) há uns 12 anos, e sempre como editora de política, por isso é complicado não levar trabalho para casa. Mas sim, tem que haver entendimento…

13) O seu filho Rodrigo já pede ao pai para ir assistir aos jogos de futebol?

O Rodrigo já tem onze anos. Joga futebol federado (parece o Saviola) há seis. É ele quem me pede para ir ao futebol e eu vou, vou ver os jogos dele, para o ver e sentir a sua alegria. Depois, vamos também ver os jogos do Benfica. São momentos únicos, depois dos jogos vamos comer o nosso bife, como dois bons amigos lampiões.

14) A Maria ou o Rodrigo, algum sente especial apetência pelo jornalismo? Gostava de ver um filho seu nestas andanças?

Nunca pensei nisso, como qualquer pai, gostava que eles fossem aquilo que quiserem. Apetência, penso que não sentem nenhuma. Tanto um como outro, estão muito habituados a estar na TVI, vêm cá desde sempre, estão habituados a ver os pais na televisão. É algo que para eles é normal. Ambos gostam de ver as minhas reportagens, mas não mais que isso. Quando os pais estão em directo, ou a apresentar alguma coisa, eles só vêem quando estamos longe há muito tempo e já sentem saudades, aí, vêem para matar saudades, não mais que isso. A Maria quer ser actriz e o Rodrigo jogador de futebol.

15) Como vê a actual situação económica do país? Acredita que ainda há muitas medidas de austeridade a ser postas em prática?

Nesta matéria, assumo-me como um revoltado. Penso que os líderes políticos, que estiveram no poder e na oposição, durante os últimos dez anos, deviam responder criminalmente. Sinto-lhes um asco tão grande que não vou responder a esta pergunta, mas ainda acrescento, o povo português, na sua maioria não mereceu que tivessem lutado pela liberdade. O povo é oprimido por meia-dúzia de homenzinhos com gravata. É criminoso o que fizeram à minha geração, à do meu irmão, à dos meus pais e dos meus filhos. É criminoso. Sou a favor da presença da Troika. Pelo menos assim não me sinto roubado gratuitamente, para sustentar uma elite sem respeito. Assim sou roubado, para limpar a porcaria que essa elite fez e continua a fazer, mas sem a sensação que lhes estou a alimentar os caprichos. Eu penso que Portugal tem solução, tivesse políticos decentes. Assim… (vejam a campanha eleitoral) gastamos alguns milhões com eleições, nós, que não temos dinheiro para pagar o IRS do MAI…Isto é de loucos e nós participamos como actores nesta alucinação de Sócrates, Coelho, Portas e afins... É revoltante, mas pelo que parece só eu me revolto. Tenho que tomar Valeriana para aclamar!

16) Como é que vê o jornalismo do século XXI? Acha que existe pressão política nos meios de comunicação social?

Pressão existiu sempre, não é de agora, nem é um fenómeno da era moderna. A questão não está na pressão, mas em deixarmo-nos pressionar, ou não. Falo de pressão exterior, porque há muitos tipos de pressão. Claro que há pressão política, também. O jornalismo tem que se adaptar a esta nova dinâmica. A Aldeia Global deixou de ser aldeia, as plataformas de comunicação evoluíram e agora uma notícia do outro lado do planeta chega-nos em segundos. A liberdade de expressão é à escala global, já não falamos para um público, mas para públicos. É uma dinâmica e por isso mesmo em constante mutação, penso que é uma questão de adaptação, nada fácil, mas possível. Antes assim!

17) Que conselhos gostaria de deixar aos futuros jornalistas deste país?

Quem sou eu para dar conselhos. Mas, posso deixar um, deixem a vaidade, a televisão, o aparecer, os decotes, deixem de querer ser apresentadores, sejam jornalistas, o que quer dizer, sejam responsáveis, cumpram o código deontológico (algo que muitos seniores não fazem) e lutem sempre, em primeiro lugar pelo direito inqualificável, que é o da liberdade de expressão e pensamento. Depois, cumprindo as regras da profissão, sejam felizes.

ENTREVISTA EXCLUSIVA À JORNALISTA DA TVI, RITA RODRIGUES

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Rita Rodrigues é actualmente jornalista na TVI. Casada com o jornalista da RTP, Daniel Pessoa e Costa, a pivô foi mãe recentemente, da pequena Matilde. Leia agora a entrevista, em exclusivo, à jornalista.

1) A Rita é natural de Aveiro. Como foi crescer e desenvolver laços de amizade com toda a sua vizinhança durante a infância?
Nasci em Aveiro e vivi lá toda a minha infância e adolescência. Do que os meus pais me dizem, sempre fui uma criança muito curiosa. Guardo as melhores recordações desse tempo. Lembro-me em especial dos Verões na praia da Costa Nova e das brincadeiras com os meus primos.

2) Ainda se lembra da sua brincadeira predilecta?
Adorava andar de bicicleta. Aliás, a minha mãe conta frequentemente a história da minha primeira bicicleta, que me foi oferecida num Natal. Tinha um cesto à frente e era cor-de-rosa. Além disso tinha uma campainha, que eu passava a vida a tocar. Os vizinhos é que não deviam achar piada nenhuma. Nos meus joelhos e cotovelos ainda há marcas das aventuras "a bordo" dessa bicicleta…

3) Quando entrou para a escola primária já sonhava com alguma profissão?
Queria ser advogada. Sempre fui muito palradora, não parava de conversar e de fazer perguntas (aqui está provavelmente a origem da minha tendência para o jornalismo). Já trocava argumentos e então dizia que queria ir para os tribunais, participar nos julgamentos. Alimentei esta ideia até tarde, mas por volta dos 15 anos percebi que o que eu queria mesmo era ser jornalista.

4) Ainda se lembra da sua série infantil preferida?
Eu sempre fui um bocadinho viciada em televisão e ainda me lembro de passar as manhãs de sábado agarrada ao ecrã a ver os desenhos animados. A minha série preferida era o Tom Sawyer. As personagens, as aventuras, aquela correria desenfreada do Tom atrás do comboio no genérico são inesquecíveis e por outro lado fazem-nos pensar como as histórias para crianças eram mais inocentes há vinte e tal anos.

5) Na passagem do ensino primário para o básico tinha alguma preferência entre português ou matemática?
Português, sem dúvida. Eu fazia as contas todas e sabia de cor a tabuada, mas do que eu gostava mesmo era de escrever composições e ler.

6) Com que idade lê o seu primeiro livro?
Tendo nascido na década de 80 fui muito influenciada pela colecção "Uma Aventura...". Já não sei qual foi o primeiro livro que li, mas recordo-me que o meu preferido foi o "Uma aventura no Palácio da Pena". Na mesma altura fiz uma viagem de estudo a Sintra e, por isso, o livro lembrava-me os sítios por onde tinha passado, mas impregnados de mistério.

7) Durante a adolescência tinha algum jornalista de referência, que gostava particularmente de ver na TV?
Em casa dos meus pais sempre houve uma companhia ao jantar, o Telejornal. Foi o primeiro contacto com o jornalismo. Quando comecei a ser uma espectadora mais crítica ficava agarrada a ver as entrevistas e debates da Judite Sousa, da Margarida Marante e da Maria Elisa. Curiosamente, ou não, são todas mulheres. Apreciava a forma como lideravam uma conversa, como estavam preparadas para falar de um tema, a subtileza com que conduziam os entrevistados para perguntas mais difíceis.

8) Se pudesse viajar numa máquina do tempo a que época regressaria?
Se calhar em vez de andar para trás, preferia espreitar o futuro. Sou muito curiosa! Mas, sinceramente, gosto desta época. Penso até que é um privilégio. As coisas que hoje são possíveis e tudo o que temos à disposição fazem desta época um momento muito especial. O mundo evoluiu muito rapidamente e em pouco tempo. Se eu recuar 15 anos, até ao liceu, apercebo-me de como tudo era diferente. Não tinha telemóvel, muito menos smartphone, a internet ainda só era uma promessa, não havia o google, nem as redes sociais. E se pensarmos, em termos profissionais, na forma como a tecnologia ajudou o jornalismo, então a diferença ainda é maior.

9) Ser jornalista era um projecto que marca já o seu secundário?
Sim, completamente. Quando escolhi Humanidades já era a pensar no curso de Jornalismo, mais tarde. Aliás, eu gosto de ver o futuro, minimamente, projectado. Dou margem para a espontaneidade e para as coisas próprias da vida e do tempo, mas paralelamente gosto de fazer projectos, de estabelecer algumas metas.

10) Acaba por se licenciar onde?
Aos 18 anos segui de Aveiro para Coimbra. Estudei na Faculdade de Letras. E quatro anos depois estava licenciada em Jornalismo.

11) Onde fez o seu estágio curricular?
Na RTP no Porto, que era, de resto, onde sempre quis estagiar. Foram quase 4 meses de grande aprendizagem e sobretudo um incentivo a continuar. Foi a confirmação de que tinha feito a escolha certa.


12) Como surgiu a oportunidade de vir trabalhar para o TVI 24?
Bem, a TVI surgiu depois de 5 anos de experiência. A seguir ao estágio trabalhei no Correio da Manhã, na delegação de Aveiro. Foi uma experiência marcante porque foi a chegada ao mundo de trabalho. No fundo, foi aquele momento em que se deixa, para sempre, de ser estudante, para se ser trabalhador e, por isso, mais responsável. Fez-me crescer enquanto jornalista e enquanto mulher, porque lidei com casos muito diferentes, alguns deles até com algum risco. De seguida surgiu a oportunidade de regressar a Coimbra para trabalhar na RTP e Antena 1. Fazia rádio e televisão simultaneamente e aprendi imenso. Tornei-me mais autónoma e também mais polivalente: lembro-me de estar com dois microfones na mão. Quando olho para trás penso que foi muito importante ter experimentado, praticamente, todas as formas de jornalismo. Só não fiz agência de notícias. Deu-me uma visão mais abrangente e ensinou-me as diferenças entre jornal, rádio e televisão. E a rádio é, sem dúvida, uma grande escola, porque trabalha-se, literalmente, ao minuto.

13) Que grandes ensinamentos retirou da formação que lhe foi ministrada pelo jornalista José Carlos Castro?
Foi muito importante porque eu nunca tinha estado num estúdio. Fazer directos na rua é uma coisa, apresentar as notícias é outra. Há imprevistos que é preciso antecipar, há emoções que é preciso dominar, há uma postura que é necessário ter e há erros que é obrigatório evitar. Mas em comum há um aspecto que é fundamental: simplicidade. Quanto mais simples for a nossa linguagem, mais facilmente a mensagem é transmitida. A eloquência deve deixar-se para outros registos. Minimizar os obstáculos entre jornalista e telespectador é primordial.

14) Uma mãe muito recente. Como é que uma jornalista consegue conciliar a vida sem horários dentro de uma redacção com o seu lado maternal?
Estou quase a saber como é. A licença de maternidade está a terminar e, em breve, regresso à redacção e àquela loucura de horários, em que só se sabe a que horas se entra e às vezes nem isso. Mas estou confiante de que vou conseguir conciliar o lado profissional com o lado pessoal.

15) A Matilde é uma menina calma ou está naquela fase em que começam já aparecer os primeiros dentes e as noites são longas?
A Matilde tem sido uma criança encantadora. Já há algum tempo que dorme a noite inteira, o que para praticamente todos os pais é um descanso. É muito sorridente e bem-disposta e faz, literalmente, os encantos dos pais, família e amigos.

16) Esteve também na emissão da manhã, na TVI, no Diário da Manhã. Durante esta fase a que horas se tinha de levantar para chegar à redacção?
Quando o TVI24 arrancou eu fazia dupla com o Bernardo Santos no Jornal da Manhã que ia para o ar às 6 da manhã. Nessa altura acordava às 3 horas da madrugada. Depois quando fui para o Diário da Manhã passei a acordar uma hora mais tarde, porque o jornal também começava uma hora depois. Foram dois anos difíceis, em que abdiquei de muito e pûs a vida profissional à frente da pessoal. Mas vi-os como um desafio e faço um balanço além do positivo. Só se consegue aguentar com muita disciplina, com uma rotina sem excepções e com muito apoio da família.

17) Os teóricos definem que a informação matinal é aquela que recorre maioritariamente aos principais jornais da imprensa escrita. Como se começam a apresentar as notícias tão cedo?
Hoje em dia as redacções debatem-se com um gravíssimo problema que é a falta de recursos financeiros que se reflecte desde logo nos recursos humanos. Há um ano, estava de férias em Nova Iorque, e por coincidência apanhei numa rua a gravação de uma entrevista para o 60 Minutos. Havia a jornalista, o repórter de imagem, dois produtores, uma pessoa para segurar os cabos e ainda outra para ir afastando as pessoas que passavam em redor. E sabe-se lá quantas mais pessoas estavam na redacção a trabalhar naquela entrevista. Esta realidade não existe em Portugal e quando as televisões não podem contratar todas as pessoas de que precisam, são os profissionais que têm de desdobrar-se em tarefas. A equipa do Diário da Manhã quando chega tem de perceber o que aconteceu durante a madrugada e actualizar e encurtar as notícias da véspera, porque os espectadores, de manhã, estão pouco tempo com a televisão ligada. Eu era sempre das primeiras pessoas a chegar. Só não tinha de ligar as luzes, porque elas não se desligavam. Gosto sempre de chegar com tempo para responder a eventuais imprevistos.

18) Também é nos horários matinais onde mais próximo do final vão surgindo notícias de última hora e muitas vezes não existe qualquer pivô no teleponto. É fácil improvisar neste tipo de notícias?
A experiência é fundamental juntamente com uma boa capacidade de comunicação e, claro, saber do que se está a falar. A primeira vez que isso tem de acontecer gera-se naturalmente algum nervosismo, mas passado algum tempo começa a ser uma rotina. Não são assim tão raras as vezes em que se recebe imagens, das agências de notícias, e depois em estúdio e em directo é necessário comentá-las, sem rede. Aconteceu-me muitas vezes. Recordo uma emissão especial, quando o Papa Bento XVI visitou Santiago de Compostela, em que durante duas horas e com a ajuda do Padre Rego, fui relatando os diversos momentos. Mas já que fala da questão do teleponto, posso dizer-lhe que na última vez que apresentei o Diário da Manhã houve um problema técnico e tive de fazer as três horas do programa sem teleponto. Cheguei ao fim completamente exausta, mas quando as pessoas me disseram que não se tinham apercebido de nada, fiquei com a sensação de "serviço cumprido".

19) Como vê o actual desenvolvimento das redes sociais na sua ligação com o jornalismo moderno?
Vejo-as como mais uma fonte e como mais uma ferramenta de trabalho. São fundamentais e ignorá-las é pôr o trabalho em risco, é não querer ver uma parte da realidade. Permitem-nos aceder a mais pessoas. É notável, por exemplo, como o cidadão normal pode transformar-se em jornalista, através do Skype e participar no relato de uma situação. Isso tem acontecido com cada vez mais frequência por exemplo em cenários de violência, como os recentes motins em Inglaterra, ou no decorrer de certos fenómenos naturais, como o tsunami no Japão. Por outro lado, as redes sociais também são hoje palco da notícia. Basta ver a frequência com que o Presidente da República se dirige aos portugueses através do Facebook.

20) Até ao presente momento qual foi a reportagem que mais felicidade lhe deu fazer?
Nos últimos tempos estive mais ligada aos directos e não tenho tido oportunidade de fazer muitas reportagens. Em contrapartida, a TVI deu-me oportunidade de explorar um género de jornalismo que eu adoro, que é a entrevista. Nos últimos dois anos, foram raríssimos os dias em que não entrevistei alguém em directo. Tive oportunidade de conhecer e falar com pessoas extraordinárias. Por exemplo, a política é uma área que me interessa e gostei muito de entrevistar alguns comentadores e analistas, sobretudo aqueles que fazem interpretações diferentes das mais ouvidas. E recordo-me de uma entrevista muito emotiva a uma mãe-coragem que escreveu o livro "O meu pequeno médico", no qual contava a história da luta do filho, uma criança de 10 anos, contra um cancro, que infelizmente o fez partir.


21) Para terminarmos que conselhos gostaria de deixar aos futuros jornalistas deste país.
Gostava de recordar-lhes uma máxima da sabedoria popular: "quem corre por gosto, não cansa". Hoje não é fácil sair da faculdade e conseguir um trabalho numa redacção, mas não se pode desmoralizar ao primeiro não. Não desistam, insistem. E quando tiverem oportunidade de trabalhar, empenhem-se ao máximo. Mostrem o que valem. Sejam originais nos vossos textos. Fujam das frases feitas. E pensem que quem lê, ouve ou vê os jornalistas não lhes está a dedicar 100 por cento da sua atenção, por isso "assaltem" a atenção do público e esforcem-se por passar uma mensagem fácil de captar.

ENTREVISTA EXCLUSIVA À JORNALISTA DA TVI, ALEXANDRA BORGES

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Alexandra Borges integra atualmente a equipa do Repórter TVI. São já imensas as reportagens do seu percurso jornalístico que foram premiadas. Ainda no passado sábado, 3 de dezembro, na II Gala da Inclusão, organizada pelo Instituto Politécnico de Leiria e pela Câmara Municipal de Leiria, para assinalar o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, na área dos média viu ser distinguida a sua reportagem «NAS ASAS DO DESEJO», onde fala da sexualidade na deficiência.

Leia agora a entrevista, em exclusivo, a Alexandra Borges.



1) A Alexandra é natural de Lisboa, todavia cresceu no Alentejo. O que guarda dessa infância?

Sim, sou natural de Lisboa mas felizmente cresci em Beja, no Alentejo onde se brincava às escondidas na rua sem medos e com a garantia de uma infância com muito campo, liberdade e felicidade!

2) Quando andava na escola qual o (a) professor (a) que mais a marcou?

A Dona Leonor porque foi quem me ensinou a ler e a escrever. Era rigorosa, dava reguadas mas mostrou-me que com várias letras podemos escrever o mundo…

3) Desde sempre quis ser jornalista?
Sabia que queria ser comunicadora. Poderia ter sido apresentadora de TV, animadora de rádio ou qualquer outra coisa…desde que lidasse com o público! O jornalismo foi surgindo na minha infância como o caminho mais interessante e hoje digo que não tenho um emprego, nem um trabalho, mas um privilégio que me dá muito prazer!

4) Durante a sua infância quem eram os jornalistas que idolatrava na TV?

Miguel Sousa Tavares, Margarida Marante e Barata Feio…todos pela capacidade de comunicação e pelas grandes reportagens que assinavam.

5) Onde se forma?
No único curso de Comunicação Social que havia em Portugal…o da Universidade Nova, na altura, muito teórico, chato e virado para a imprensa escrita!

6) Qual foi o seu primeiro trabalho em jornalismo?
Não me lembro…mas recordo-me que um dos primeiros foi uma ama de acolhimento da segurança social de Vila Franca de Xira que tinha ao seu cuidado 2 irmãos e “matou” (por falta de auxilio e negligência) a menina de 5 anos e foi para a cadeia. Quem deveria ter ido para a prisão eram as técnicas e psicólogas da segurança social que colocaram os irmãos em casa da ama sem sequer a investigarem e, durante um mês, foram feitas várias denúncias escritas por maus tratos e os irmãos foram assistidos por várias vezes no hospital! Era uma morte evitável que me revoltou e que ainda hoje me indigna…pelos vistos, as técnicas da segurança social, continuam a dormir tranquilas…é o país que temos!

7) Como e em que ano surge a oportunidade de vir trabalhar para a TVI?
Comecei na TVE, como produtora e, quando surgiram as privadas fui convidada para as 3 e, na altura, optei por ir para o telejornal da RTP1 onde, pelos vistos o José Eduardo Moniz acompanhava de perto o meu trabalho sem eu nunca me ter apercebido…quando foi para a TVI, convidou-me e foi uma honra trabalhar com ele!

8) Qual foi a primeira grande reportagem que assinou na TVI?

Foi um acaso… Acho que foi um caso de subtração de menores…um pai que, se fechou num quarto de hotel com a filha de 3 ou 4 anos porque a mãe da menina não o deixava ter contactos com a criança. Recebi o telefonema na redação da TVI cerca das 13h e a grande reportagem (25 minutos) estava acabada às 20h e pronta para ser emitida…

9) Como nasce a reportagem de investigação em televisão?

A ideia, normalmente, parte do jornalista mas tem que ser aprovada pela direção de informação. Depois seguem-se muitos contactos informais e recolha de documentação para escolher os entrevistados, o ângulo de abordagem e um fio condutor que ajude o telespectador a entender a história…a etapa seguinte são as filmagens, visionamento do que se filmou, escrever e organizar a história e montá-la com um editor de imagens…a fase final é a escolha da música e do grafismo. Há países em que levam 3 anos a fazer uma grande reportagem…por cá demoramos cerca de um mês!

10) Acha que o documentarismo tem uma duração definida?

Acho que deve ser decidido caso a caso… Não gosto de regras fixas!



11) Há situações em que tem de estar longe dos seus gémeos. Eles já pedem para ver a mãe na TV, ou passa-lhes completamente ao lado?

Odeiam tudo o que tenha que ver com a TVI porque sentem que lhes rouba a mãe…nunca lá quiseram ir e recusam-se a ver a mãe na TV… Estou a esforçar-me para que entendam que eu amo aquilo que faço, como desejo que, um dias, também eles se divirtam a trabalhar tanto como eu…Mas, quando os telespectadores me abordam na rua para me darem os parabéns pelo meu trabalho, sei que sentem um orgulho muito grande…

12) Uma das reportagens que a marcou certamente foi « Infância Traficada», onde esteve alguns dias. Como nasce esta reportagem?

Foi uma reportagem em que tive que lutar com a Direção de informação da TVI para a fazer mas que, quando voltei, foi o programa mais visto do dia, do mês e do ano…chegando a ultrapassar a novela de prime time. Foi um orgulho é certo e, só depois do sucesso deste trabalho, a Direção de Informação iniciou um espaço informativo autónomo de grande reportagem que se passou a chamar: Repórter TVI .

13) Como descreve a sua estadia no Gana?

Éramos 2. Eu e o repórter de imagem…as televisões estrangeiras viajam com grandes equipas, nas portuguesas não há dinheiro para isso, por isso, o jornalista tem de fazer tudo! O nosso dia de trabalho começava às 6 da manhã e ia até às 20h…o que fazíamos? Filmar, filmar, filmar, filmar o máximo de material que conseguíssemos porque só tínhamos 10 dias e para montar um minuto em televisão tem que se filmar uma hora!

14) Não encontrou entraves à sua reportagem no terreno, nomeadamente pelos exploradores dessas crianças?

Claro que sim mas isso são ossos do oficio…é preciso saber lidar com isso, protegermo-nos e não colocarmos a vida das crianças em perigo e esta era a minha maior preocupação!



15) O que aconteceu às crianças que os portugueses ajudaram a resgatar com a compra do CD “Filhos do Coração”.
Estão num orfanato americano a estudar e têm o seu futuro garantido durante os próximos 10 anos graças à ajuda dos portugueses…em breve algumas poderão partir para estudar em Universidades dos EUA. A organização Touch a Life Fundation e a Pam Cope em quem confio cegamente são quem cuida, diariamente, estas crianças!

16) Tem mantido contacto com essas crianças?
Claro…sempre. São pequenos grandes milagres. Já falam inglês, tocam instrumentos musicais, fazem teatro e, o que mais me impressiona é o brilho no seu olhar e o sorriso de felicidade que elas têm estampados no rosto cada vez que a organização me envia fotografias…SÃO MILAGRES…



17) Depois de dois anos, voltou ao Gana. O que encontrou?
Alguns milagres de crianças que tinham sido resgatadas por a nossa equipa 2 anos antes…algumas que tinha identificado desaparecerem e milhares que continuam a sofrer todos os dias! É duro!

18) Sentiu a necessidade de dar voz a essas crianças?
É o mais importante porque são essas vozes que vão marcar o futuro daquele país. Tenho a certeza que, daqui a uns anos, alguma dessas crianças será eleita presidente do Gana e ela própria acabará por erradicar o tráfico e a escravatura infantil do país…e esta é a grande reportagem que sonho fazer um dia!

19) Acredita que qualquer jornalista poderá fazer uma reportagem deste género?

Francamente, acho que há jornalistas que têm perfil para este tipo de trabalhos e outros que não têm…tal como eu tenho plena consciência que não tenho perfil para fazer cobertura de, por exemplo, casamentos reais ou visitas do papa e outros colegas meus são muito bons a fazê-lo!

20) Como vê o jornalismo do século XXI? Acha que se pode falar em isenção, independência?

Acho que é difícil para um jornalista ser independente…tem que se estar disponível para pagar o preço da independência…eu já tenho pago preços muito altos por lutar pela minha isenção, dignidade, verticalidade, rigor e independência de que não abdico, nem abdicarei nunca!

21) Que conselhos gostaria de deixar aos futuros jornalistas deste país?
Que a motivação pela qual querem abraçar esta profissão seja a correta…eu dei aulas na faculdade e muitos dos meus alunos queriam ser jornalistas para serem conhecidos, viajarem e terem uma vida de aventura! Se querem isto vão para pilotos e hospedeiras de bordo!

22) Gostava que um dos seus filhos lhe seguisse os passos?
Gostava que ambos os meus filhos mantivessem a sua identidade e amassem a sua profissão como eu amo a minha…sei que assim, seriam bons no que escolhessem fazer e, sobretudo, muito felizes!


Museu Rural de Gondar: Feira Medieval

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Como já havia anunciado, hoje, dia 18 de Abril de 2010 realizou-se no largo do Museu Rural do Marão em Gondar, a I Feira Medieval levada a cabo no âmbito da comemoração do "Dia Internacional dos Monumentos e Sítios".
Foi uma feira com a participação de dezenas de populares que não quiseram faltar à chamada. Com cerca de 17 bancas, venderam-se produtos tradicionais, dando-se ênfase aos produtos da região de Gondar, o barro negro, a cestaria, rancho, despique de bombos… Para nos fazer recordar as «canções do antigamente», o Rancho Folclórico de Caíde de Rei (Lousada) fez as honras da casa.
Mais uma vez a freguesia de Gondar está de parabéns ao incentivar a cultura tipicamente Gondarense!





































António Bastos Teixeira

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1) Como surgiu esta sua ligação ao PSD na freguesia de Gondar?
A minha ligação ao PSD começou em meados de 1989, indo fazer este ano 20 anos, que estou nesta Junta de Freguesia. Desde novo, os meus 16 anos, sempre estive ligado à vida associativa aqui na freguesia de Gondar. Na altura surgiu um candidato, meu familiar à câmara, José Manuel Antunes, e fez-me um desafio, se de facto queria assumir os destinos aqui da freguesia. Nunca era minha intenção de facto, estar ligado à política. Mas a força que me unia à vida associativa e o pedido vindo desta pessoa, portanto, não podia recusa! Nos desafios, nos cargos, onde me encontro, eu assumo um compromisso e um dever de trabalho, de responsabilidade para com os outros, neste caso, os gondarenses.

2) Há quantos anos está à frente desta Junta?
20 Anos. Há 5 mandatos!

3) Considera o balanço positivo para esta freguesia neste último mandato?
Em relação ao mandato que faço aqui na freguesia, gostaria de ter feito mais, mas entendo, que aquilo que se fez foi benéfico para Gondar, se bem que, a nossa freguesia é muito populosa e ainda é preciso mais dedicação e empenho. De notar, que os meus antecessores nesta Junta fizeram também grandes trabalhos. Esta junta desde o 25 de Abril de 74, tem vindo a ser liderada pelo PSD. Esta freguesia que praticamente não tinha nada, como o primeiro presidente, começou-se por rasgar os acessos a diferentes locais. A Freguesia de Gondar ainda não tem tudo feito, mas o balanço que eu faço, ao longo dos mandatos que tenho estado na junta, penso que é um balanço positivo.

4) Em termos de investimento público a oposição critica o facto de haver muita obra e quando se vai a ver, nada é nosso, referindo-se nomeadamente à Casa do Oleiro, ao Museu Rural do Marão, ao parque fluvial de Larim, que nas palavras do candidato pelo PS, «ao fim de alguns anos, ficamos sem nada». Como reage a estas afirmações?
Em termos de investimento público foi feita muita coisa. Nós quando soubemos que realmente havia fundos comunitários, nós tentamos ir captar alguns desses fundos para a nossa freguesia. A casa do oleiro surgiu porque está numa zona histórica. Há 3 centros históricos de barro preto em Portugal, e Gondar está num desses pontos! Sinto-me orgulhoso por isso. Nos Anos 30 haviam cerca de 33 oleiros. Toda aquela população do centro histórico viveu do barro. Ao longo dos anos estes oleiros foram desaparecendo, foram aparecendo as fábricas, foram à procura de empregos com maior remuneração.
Era um trabalho árduo, que custava muita a essa população. No meu tempo surgiu um oleiro, que ainda é vivo o SR. Manuel (entrevista do C.P.G em http://centroparoquialgondar.blogspot.com/2009/08/gondar-amarante-terra-do-barro-negro.html
que era muito procurado, para ele fazer mostragens a turistas, interessados, para verem o que era o barro preto. Surgiu a ideia de então, recuperarmos a Casa do Oleiro naquele local. Mas atenção! Recuperámos a custo 0. Fizemos um protocolo com o proprietário que durante 8 anos aquele espaço seria da Junta. Gastou-se lá na altura à volta de 3.000 contos, na moeda antiga, com uma comparticipação dos Fundos Comunitários de 70 % e o restante a ser custeado pelo proprietário. E como tínhamos 8 anos em que iríamos pagar renda, então achámos melhor desta forma, sendo que a Junta não perdeu nada com esta obra, pelo contrário. É uma mais-valia que a freguesia tem. Recorde-se que já lá foram dadas muitas acções de formação, cursos na área de olaria, dando emprego a muita gente, cujas peças alias, poderão ser vistas no Museu Rural.
No caso da Praia Fluvial, que acho que é um local belíssimo, foi custeado também a custo 0 do orçamento da Junta, foi com dinheiro dos fundos comunitários, e, portanto, não quer dizer que o proprietário, se lhe fizermos o repto, da venda do terreno, que realmente ele não possa vender aquele local. Agora, é evidente, que tem de haver boa vontade por parte da Câmara Municipal de Amarante, porque o orçamento da Junta, não permite essa compra. Estou plenamente convencido, que aquele terreno irá pertencer à Junta de Freguesia.
Em relação ao Museu Rural, é bom que se saiba, que o projecto, é um projecto da Câmara Municipal, foi ela que investiu, claro, também indo buscar aos fundos comunitários. Em relação ao recheio, isso pertence à Junta de Freguesia. Portanto, a Junta de Freguesia, não gostou um único cêntimo naquele edifício.

5) O que aconteceu com o Centro Comercial do Cavalinho?
No Centro Comercial do Cavalinho «os ditos barracos», a Câmara em contacto com a Junta poderá também fazer um repto na compra daquele imóvel. Porque aquilo que lá estava era uns barracos feios, degradados, numa passagem fulcral na ligação com o Douro. Nós arranjámos, mas fizemos um contrato com o proprietário de em 9 anos não pagarmos renda, não querendo dizer, que aquilo não volte a ser um espaço público e nós iremos fazer tudo para que todos esses equipamentos passem a pertencer à Junta em definitivo. Agora, terá é de haver boa vontade por parte da Câmara Municipal.

6) Outra grande preocupação apontada pela oposição refere-se ao facto de em muitos locais da freguesia, nomeadamente o lugar de Ovelhinha, Rio e Corugeiras, ter o acesso dificultado pela urgência médica, o INEM por exemplo, aos habitantes dessas zonas. Caso seja reeleito tenciona intervir nesses locais? Como?
Em relação ao Lugar de Ovelhinha, tem de haver alguma preocupação, pelo património, é um lugar a preservar. Em tempos quisemos fazer um alargamento do caminho Larim – Ovelhinha, mas não houve boa vontade por parte do proprietário do terreno que seria necessário. Razão pela qual, a Junta pavimentou o caminho. Terá de haver uma intervenção de fundo, porque sem dúvida, aquele local é muito bonito!
Rio – Corugeiras, não é fácil, apesar de estarem pavimentadas por esta Junta de Freguesia. Terá de se pensar em outro tipo de ligação, Vila - Seca à Pombalina. A ideia será por exemplo, a construção de uma ponte, mas tudo isso quer bastante tempo e análise. Mas no futuro sem dúvida que termos uma nova ligação entre Vila – Sêca e Corugeiras.


7) Como sabemos, a Carta Escolar já foi aprovada em Assembleia na Câmara Municipal, e a qualquer momento a construção de novos centros escolares estará eminente. Considera que Gondar, pela sua localização, será um bom ponto estratégico para aí ser construído o edifício de raiz, que servirá as freguesias vizinhas?
Já aqui há uns anos, a Junta que mais lutou para a construção da Escola Básica do Marão foi sem dúvida a de Gondar, inclusivamente com uma proposta de cedência de terreno gratuito, onde a Câmara não teria de pagar nada na aquisição do terreno. Importa salientar, que Gondar é uma das freguesias mais populosas da margem esquerda do Tâmega e entendemos que devido ao número de alunos, este seria o local ideal. Não foi, e o que acontece actualmente?! Hoje, estão com dificuldades em arranjar alunos, na escola do Marão.
Em relação a este novo modelo de centros escolares, já fiz ver ao Sr. Presidente da Câmara, que o sítio da construção do centro escolar é aqui, efectivamente, em Gondar. Atendendo que, é a freguesia que mais alunos tem. Iremos fazer de tudo mesmo, para que o centro escolar seja feito em Gondar. Agora é evidente, se não houver boa vontade por parte da Câmara Municipal, é evidente que o Centro escolar irá para onde, a Câmara, bem entender!

8) Em que local seria feito?
Já se pensou fazer a construção, ali, junto ao Cavalinho, porque ficaria centrado e poderia servir as freguesias de Padronelo, Jazente, S. Simão, e claro, Gondar. Independentemente, até de ficar em terrenos de Padronelo! Seria central para a nossa Freguesia.

9) Vamos a obras particulares. Já no seu último programa eleitoral o alargamento do pontão em Vilela surgia como uma das propostas. Como sabemos o terreno está lá e o facto é que a passagem de duas viaturas ligeiras em simultâneo é muito difícil. O quê que se passou para ainda não ter havido intervenção?
Já desde há vários anos, temos chamado a atenção da Câmara, para o Pontão de Vilela. A verdade é que é uma estrada bastante movimentada, e até porque dá ligação com Campo de Futebol de Gondar, à zona desportiva. Em tempos falou-se e a proprietária cedia os terrenos necessários para o alargamento. Agora, mais uma vez, tudo depende da boa vontade da Câmara Municipal de Amarante. É uma estrada camarária, logo terá de ser a Câmara a intervir e não a Junta! Esta é uma das obras prioritárias que solicitamos à Câmara, devido, ao imenso tráfego no local. Estou atento e faço as solicitações à Câmara, mas tudo depende da boa vontade do executivo camarário!

10) Em entrevista ao DR. José Luís Gaspar, quando confrontado com o facto de as piscinas Municipais não estarem preparadas, para em períodos de férias receber tantas visitas, o candidato pelo PSD à Câmara de Amarante, tenciona apostar em piscinas construídas em freguesias, para que possa haver uma maior distribuição da população. Considera que Gondar terá condições para a construção de uma piscina, como a de Bustelo, por exemplo?
Uma das freguesias, que tem todas essas condições é sem dúvida, Gondar! A Freguesia de Gondar é banhada por 2 rios. E uma vez que temos esta mais-valia, uma coisa que ficaria muito bem, seria o alargamento da lagoa na praia fluvial de Larim. Criar um espaço de lazer para os jovens poderem conviver entre si com todas as condições. Projecto esse, que deveria ser alargado a todas as freguesias!

11) Continuando na área do desporto. Um pavilhão gimno-desportivo faz falta. Qual é o seu projecto nesta área?
Já há alguns anos que a Junta vem a lutar no sentido de que este seja levado a cabo. A freguesia necessita urgentemente de um pavilhão gimno-desportivo coberto para se praticar desporto no Inverno. Porque nós, na época estival temos vários equipamentos onde as pessoas podem desfrutar de desporto. No entanto é importante esse espaço, para o desporto de inverno, tão importante para a saúde. Temos terreno para isso, em anexo ao Campo de Futebol, está lá o terreno. Falta-nos apenas o apoio, para que se dê asas ao projecto.

12) Em termos de investimento para o próximo mandato, quais serão as suas grandes apostas? (saneamento, localização novo cemitério)?
Um dos investimentos que a freguesia necessita, é sem dúvida o saneamento básico. Em qualquer população para que possa haver qualidade de vida, é necessário o saneamento básico. Nós já andamos a lutar há muitos anos, por esta necessidade. É uma obra de milhares e milhares de euros, e por isso mais uma vez, é a Câmara, a grande responsável pelo avanço do projecto. As pessoas, não têm alternativa, mandam tudo para o rio. Por isso a Câmara que for eleita, que espero que seja a do PSD, tem a obrigação de fazer face a toda esta situação.
Em relação ao alargamento do cemitério estamos em negociações, para aquisição de um terreno anexo ao Centro Cívico. Mas nunca, mesmo nunca, fazer transladação de corpos do actual cemitério. Isso seria ferir a susceptibilidade das pessoas. Nunca mesmo! Já temos aliás um orçamento da Câmara de 60.000 euros disponíveis para essa mesma aquisição.

13) E em relação às acessibilidades?
Em relação às acessibilidades precisamos de intervenção, algumas pavimentações, e repavimentações. Uma das repavimentações que irá arrancar muito brevemente será a da Estrada Pombalina, aliás não admira, posso dizer que fui eu que quando entrei para a Junta, que a pavimentei pela 1.ª VEZ (1990). Em termos de acessibilidades ainda há pouco tempo, fizemos a pavimentação desde o Barbeito até Tubirei, penso que até à Cancela, se conseguirá em breve. Em termos de mobilidade nas estradas, aquilo que temos que apostar é numa repavimentação das estradas.

14) Sente que Gondar cresceu, em termos industriais?
Sem dúvida. Há cerca de 6, 7 anos, a existência de indústrias em Gondar era praticamente nula. O grande mentor na altura que fazia parte da Câmara, o Sr. Vareador, Vieira Pinto (coligação com o CDS) contribui imenso para o PDM, a nível da indústria, trazendo para aqui bolsas industriais que contribuíram para o alargamento por exemplo das indústrias de granito, metalomecânica, entre outros serviços, nomeadamente, ao nível do comércio.
Temos a Associação de Caça e Pesca cá sediada, a Feira do Cavalinho, cuja gestão cabe à Abomarão.

15) Como vê a germinação de Gondar com Langeais (França)?
Muito positiva esta germinação que data de há 10 anos. Aliás, neste passado fim-de-semana estivemos lá e foi muito agradável. Mais que a cultura que transmitimos e nos transmitem, o turismo, ao nível da economia é também uma mais-valia. Aliás, há empresas de Gondar a exportar material para lá, e isso, contribui de uma forma harmoniosa para o fortalecimento da economia.

16) Algum projecto de eleição para o próximo mandato?
São bastantes. No entanto, posso referir por exemplo, a construção de um hipódromo em Gondar. Se bem que um particular, já se mostrou interessado nesse projecto, na outra margem do Rio de Larim. A Junta terá todo o gosto em lhe ceder este projecto. Teremos depois o alargamento do edifício da Sede da Junta, entre outros...

17) Acredita numa vitória de Manuela Ferreira Leite?
Nesta altura sim. A credibilidade e a determinação da candidata levam-me a crer que ela vai ganhar. Assim como, o Candidato à Câmara de Amarante, o DR. José Luís Gaspar. Precisamos de uma mudança! Faço votos que a 27 de Setembro, o PSD seja o PODER, assim como a 11 de Outubro, em Amarante e em Gondar.

18) Em espécie de fecho, que mensagem gostaria de deixar aos nossos leitores e principalmente aos eleitores de Gondar?
Quero apostar numa campanha que se move em torno de causas, com muita responsabilidade, empenho e muito trabalho. Conheço os problemas da freguesia e continuarei a dar o meu melhor por ela. Sei que os Gondarenses votarão em consciência, porque querem o melhor para a sua freguesia. Muito obrigado!

Resta agradecer a disponibilidade do professor Teixeira em ter concedido esta entrevista ao blogue C.P.G. Creio que os gondarenses, melhor do que ninguém sabem avaliar o seu trabalho e saberão pronunciar-se sobre ele nas próximas eleições para a Junta de Freguesia de Gondar.
Um bem-haja e muito obrigado!
Ricardo Pinto

(C

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Ondjaki: análise do romance «Bom Dia Camaradas»

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À CONVERSA COM ONDJAKI:
ENTREVISTA EXCLUSIVA RICARDO PINTO:


À CONVERSA COM ONDJAKI:
ENTREVISTA EXCLUSIVA RICARDO PINTO:
Nadlu de Almeida nasceu em Novembro de 1977 em Angola, na belíssima cidade de Luanda.
Durante a sua infância começam a surgir fortes indícios de que aquela criança viria a tornar-se um nome incontornável da literatura contemporânea. Começou por utilizar as sebentas da escola para elaborar os seus primeiros textos…
Com 13, 14 anos começa a aventurar-se no mundo da leitura, começando com nomes ímpares da literatura como Satre, García Márquez e Graciliano Ramos.
Anos mais tarde assume uma faceta de escritor que faria engrandecer a cultura africana de expressão portuguesa.
Viria a assinar as suas obras com o pseudónimo Ondjaki. Palavra em umbundu, Ondjaki significa literalmente «aquele que enfrenta desafios» . O escritor confessa que era para se ter chamado Ondjaki, mas à última hora os seus pais decidiram mudar-lhe o nome. Quando conheceu a escrever assume, ter achado bem pegar nesse nome que outrora lhe estivera destinado.
Poeta e prosador, também escreve para cinema e co-realizou um documentário sobre a cidade de Luanda (“Oxalá cresçam Pitangas – histórias de Luanda”, 2006). É membro da União dos Escritores Angolanos e da Associação Protectora do Anonimato dos Gambuzinos.
Aos 32 anos de idade, vê reconhecido o seu trabalho pelos quatro cantos do mundo. Alguns dos seus livros foram traduzidos para francês, espanhol, italiano, alemão, inglês, sérvio, sueco e chinês.
Ondjaki caracteriza-se de facto pela sua versatilidade. Do conto, ao romance, à novela, à poesia, à literatura infantil, vem ainda acrescer o seu gosto pelo cinema, teatro e pintura. Questionado sobre toda esta envolvência nos diferentes tipos de arte, o escritor afirma gostar “de estar com os poros abertos e sofrer pressões de todas as artes, e de vários mundos, individuais e colectivos.”
Actualmente encontra-se a viver no Brasil, Rio de Janeiro, sendo que viaja constantemente pelo mundo, de destacar por exemplo a sua viagem a Cuba em Fevereiro passado.
Apesar de ainda muito jovem, o escritor angolano já soma no seu percurso importantes prémios que abaixo se destacam:
PRÉMIOS

-"Actu Sanguíneu" (poesia) Menção Honrosa no prémio António Jacinto (Angola, 2000)
-"E se amanhã o medo" (contos), Prémio Sagrada Esperança (Angola, 2004)
-"E se amanhã o medo" (contos), Prémio António Paulouro (Portugal, 2005)
-Finalista do prémio “Portugal TELECOM” (Brasil, 2007), “Bom dia Camaradas”.
-"Os da minha rua" (contos), Grande Prémio APE (Portugal, 2007)
-Finalista do prémio “Portugal TELECOM” (Brasil, 2008), “Os da minha rua”.
-Grinzane for Africa Prize - Young Writer (Italia/2008)

Nota: O romance utilizado para o presente trabalho foi:
• Ondjaki (2007); Bom Dia Camaradas; Editorial Caminho; 2.ª edição;

Metodologia do trabalho:

No âmbito da disciplina de Culturas Africanas Comparadas o presente trabalho tem como base fundamental uma análise à obra de Ondjaki, fundamentada na análise do seu primeiro romance, Bom Dia Camaradas (2001).
Nesse sentido o presente trabalho orientou-se em duas fases:
• Numa primeira fase foi lido e analisado o romance do escritor angolano, Bom Dia Camaradas, de 2001. Neste patamar do trabalho pretendeu-se analisar a forma de escrita, o seu estilo, linguagem, organização e mensagem transmitida;
• Numa segunda fase e porque nada melhor, do que o próprio escritor ser a nossa fonte de informação foi realizada uma entrevista via e-mail com o escritor em estudo.
Relativamente à escolha do romance para análise: confesso que até ao início deste ano lectivo desconhecia o escritor Ondjaki. Quando me começaram a falar nele havia aspectos que se frisavam e, que de facto me suscitaram curiosidade. Entretanto intercalou-se o Natal e chegou até mim esse mesmo romance. Numa primeira instância li o livro numa só noite. Era de facto uma estória envolvente, que dava vontade de continuar a ler e verificar o que se seguiria na intriga.
Para este trabalho de análise li novamente o livro de uma forma mais atenta, distante e tentei captar a essência do mesmo.
Portanto, uma vez que há aspectos da análise que se interligam com a entrevista concedida, não será feita uma análise estanque a cada fase, mas sim de uma forma complementar.

Objectivos a alcançar:

• Analisar o romance Bom Dia Camaradas de Ondjaki:
• Discutir a questão da infância;
• Verificar até que ponto se trata de um romance autobiográfico;
• Apontar algumas das tradições patentes na infância do narrador;
• Confrontar o autor do romance com a clarividência da predominância do cheiro na obra;
• Tentar compreender a dinâmica das personagens apresentadas;
• Compreender de que forma os mujimbos invadem a realidade angolana;
• Caracterizar o momento relativo ao tempo da estória (anos 80);
• Analisar o fenómeno de descolonização e o impacto na sociedade;
• Vivenciar a integração dos cubanos na sociedade angolana;
• Estabelecer as relações afectuosas do narrador;
• Discutir a questão da oralidade africana no romance;
• Caracterizar a linguagem e estilo patentes na obra;
• Conversar com o autor sobre outros aspectos relacionados com a sua vida.


1) A infância é um elemento muito produtivo na sua literatura. Noto que o seu olhar nessa mesma infância é um olhar do presente sobre o seu passado. O porquê de todo esse fascínio pelo mundo infantil, mais concretamente, a sua infância?
Qualquer tentativa de explicar esse fascínio pela infância, está condenada a uma solução especulativa, quase abstracta... Talvez, como diria Manoel de Barros, eu só saiba falar disso, ficcionalmente. Depois teria que acrescentar que “não é bem assim”, no meu caso. Sei e gosto de falar de outras coisas, mas há um lado ficcional, que trata de uma infância de certo modo “autobiográfico”, que me faz escrever com ternura e com prazer. O que não acontece sempre. A verdade é que escrever sobre universos que tocam a minha infância muitas vezes se configura como uma “urgência estética”, e escrever sob esse estado de encantamento, é uma experiência muito agradável, do ponto de vista humano...

De facto a própria contra-capa do romance diz-nos que a «Infância é um antigamente que sempre volta» . Este livro retrata isso mesmo, a infância de um menino nos anos 80, o narrador, que se designa de Nadlu. Relativamente ao facto de a personagem ter o mesmo nome do registo civil do autor da obra fez com que eu, o questiona-se:
2) Podemos classificar este romance como autobiográfico, na medida em que o próprio narrador se chama Ndalu?
Quer me parecer que sim, mas não se deve chegar a essa conclusão pelo nome do personagem...
É evidente que pelo levantamento de diferentes situações que nos vão sendo narradas ao longo do romance, assim como a confirmação do autor em como o nome de todas as personagens do romance Bom dia Camaradas são “verdadeiras” recria bastante a sua própria infância.






Figura 1- “Teria 5 ou 6 anos. A árvore é um abacateiro.”
O abacateiro apresentado na figura 1 encontra-se referenciado no romance na página 116: “Dali não via o abacateiro, mas podia ouvir as folhas dele, sentir o cheiro forte, ouvir um abacate cair.”
Infância do narrador - núcleo de personagens envolventes:

Outras referências são citadas na obra que nos remente para a infância do narrador:
• “ Eu ia ficar atrapalhado se no meio da correria os óculos caíssem (…) “
“ (…) só não podia correr muito tempo porque eu também sofria de asma.” In página 71;
• Pai trabalhava no ministério: “- O camarada João era motorista do ministério. Como o meu pai trabalhava no ministério ele ajudava nas voltas da casa.”: In página 15;
• “- Bom dia, camarada António…” In página 21
• “ No final da tarde a camarada directora veio falar connosco (…)”In página 18
• “ As minhas irmãs chegavam da escola, o meu pai também chegava.” In página 25 ´
• “Eu e ela tínhamos aulas à tarde, ela porque era professora e eu porque era aluno” In página 27
A mãe era professora, dava aulas à primária, desde a 1ª à 4ª classe; por vezes, era chamada a dar aulas de português ao 5º e 6º ano).
• “Como dizia a professora Sara, parece que vocês não sabem que a vossa missão é estudar (… )”In páginas 28 e 29
• “Murtala, assustado, aqueles olhos de rato já bem acesos.” In página 29
• “Petra ia ter medo, mas sempre mais preocupada com as aulas, In página 30
• “ A Romina convidou alguns colegas e os camaradas para irem lanchar à casa dela (…) “In página 43
• Tia Dada: “ – Dona Eduarda, por favor, saia do carro…” In página 53
(A tia Eduarda, ou tia Dada, como era carinhosamente tratada nasceu e cresceu no Namibe, que antigamente se chamava Moçamedes; quando foi para Portugal viveu no Cacém) Ondjaki
Tradições patentes na infância do narrador:

• “Ele me deixou na escola. Os meus colegas estavam todos a rir porque eu tinha chegado de boleia. Nós costumamos gozar sempre quem chega de boleia (…)”: narrador, In página 16
• “Os professores escolhiam dois monitores por disciplina(…) e tinha que se saber tudo sobre a disciplina e não se podia tirar menos de 18. “ narrador, In página 18

3) Alguma vez foi monitor? E consegui tirar o 18?
Fui monitor da Física, na 7ª classe, e sim, tirei 18 algumas vezes.
• “(…) quando entrava alguém na sala de aula tínhamos que nos pôr de sentido e fazer aquela cantoriazinha, que uns e outros aproveitavam para berrar: bua taaardeeeee… camarádaaaaa… directoraaaaaaa. (…) atééééééééeé… manhãããããã… camarádaaaaaaa directoraaaaaaaa!” In páginas 18 e 19
• “Matabiachar cedo em Luanda, cuia!” In página 21
• “ (…) mas não conversámos muito, até porque na escola se um rapaz está toda hora a conversar com uma rapariga, assim já vão dizer que ele quer engatar, que tá a dar xaxo, ou então, que é pior, dizem que é um rapaz que só quer andar com meninas.” In página 80
• “ (…) a escola não tinha casas de banho, não sei pra que aquela conversa (…) “In página 81
• “ (…) toda a gente gostava de chegar de boleia no dia das provas (…) “In página 116
• “ (…) toda a gente desenhava coisas relacionadas com a guerra (…)”In página 128
• “ Desenhar armas era normal, toda a gente tinha pistolas em casa (…)” In página 128
• “ Guerra também aparecia sempre nas redacções (…)”In página 129

4) Ao longo do romance em análise, Bom Dia Camaradas, apercebemo-nos da facilidade com que reconstrói mundos, vivências e sobretudo cheiros com bastante pormenor. Podemos considerar que todo este processo se trata de uma espécie de nostalgia da infância e/ou uma maior facilidade de o presente encontrar o passado?
Não sei. Talvez o apelo aos universos ‘sensoriais’ seja um recurso para chegar a certos lugares da memória. Há sim, em mim, uma ‘boa nostalgia’ pela infância, sendo que é um mundo que, no presente e no futuro, tenho tendência para recordar como muito bom, tempo de felicidade, de encantamento pela simplicidade da vida, coisas que fui perdendo com a idade mais adulta, uma vez que “interpretar o mundo” acaba por complicar a visão que dele temos... De resto, é um recurso literário como qualquer outro, mais ou menos consciente, dependendo do momento da escrita.

Ao longo da obra em análise encontram-se bem patente o recurso aos elementos sensoriais, sobretudo do cheiro através das seguintes passagens:


Referências aos diferentes tipos de cheiro

• “Todos os dias ele tinha o mesmo cheiro, mesmo quando tomava banho, parecia ter sempre aqueles cheiros da cozinha.” In página 14 (referência ao Camarada António);
• “Há assim um fresquinho quase frio que dá vontade de beber leite com café e ficar à espera do cheiro da manhã.” In página 22
• “O cheiro da cozinha, o apito da panela, a movimentação do camarada António, tudo me diziam ser onze horas.” In página 23
• “Mas aquele quente-abafado misturado com o cheiro a peixe seco queria dizer, isso sim, que tinha chegado um voo nacional” In página 37 (episódio em que o narrador se dirige ao aeroporto para receber a tida “Dada” que chegava de Portugal.
• “Depois abriu a janela e parecia que estava a fazer como eu faço de manhã, a cheirar o ar”. In página 40 (Referência à tia “Dada”).
• “ Aquele cheirinho abriu-me o apetite, há quem não goste, mas eu acho que o peixe seco cheira muito bem, parece sumo concentrado do mar.” In página 41
• “ Senti o cheiro da comida vir da outra sala, era peixe grelhado de certeza absoluta.” In página 62
• “ Do meu lugar eu via a chávena à minha frente, o fumo que saía da chávena, sentia o cheiro do pão torrado, o cheiro da manteiga a derreter nele (…) “In página 77
• “ (…) na minha casa, com este jardim, noite tem cheiro (…) “In página 97
• “ (…) a noite traz outros cheiros para esta varanda (…) “In página 97
• “ (…) um cheiro quente que pode ser uma coisa, imaginem onde se ponha rosas muito encarnadas, (…) “In página 97
• “ (…) tudo cheirinho de sobremesas deliciosas (…) “In página 108
• “ (…) continuava no ar aquele cheiro de despedida.” In página 108
• “ (…) porque despedida tem cheiro, vocês não sabem, né?, (…) “In página 109 (Referência à despedida dos professores cubanos no final do ano lectivo)
• “ (A Romina olhou para mim, ela sentiu o cheiro nesse momento.) ” In página 109
• “ Antes de chegar perto sente-se logo o cheiro do tufo de chá de caxinde, (…) “In página 115
• “ Dali não via o abacateiro, mas podia ouvir as folhas dele, sentir o cheiro forte, ouvir um abacate cair.” In página 116
• “ (…) a parte de trás das salas, ali onde cheirava bué a chichi.” In página 140
• “ (…) a água é que trás todo aquele cheiro que a terra cheira depois de chover, (…)” In página 135
5) Já ouvi comentários, de que o Ondjaki é de facto o «escritor dos cheiros». Considera-se um jardineiro de cheiros e aromas?
Não, só me considero um mero contador de estórias. E ainda tenho muito que aprender... Trabalho com esses recursos, porque me fazem sentido, porque é o modo que a minha escrita conhece de transmitir algumas coisas que, descritivamente, nem sempre ficam bem.
• “Alguns colegas cheiravam muito a cantiga (…)”In página 28
• “Estava muito calor, e lembro-me de ter sentido uma vez mais aquele cheiro generalizado de cantiga”. In página 32
• “Fingi que estava a limpar o suor da testa com a manga da t-shirt e aproveitei para cheirar o meu sovaco. Podia estar pior…, pensei.” In página 34
• “ Ai o meu sovaco já tava mesmo a cheirar (…)” In página 39
• “ (…) as minhas irmãs já tinham chegado a casa e também estavam a cheirar a cantiga(…)”In página 40
• “ (…) especialmente o Bruno e o Cláudio que também tiveram de lavar os sovacos porque aquilo já era de mais.” In página 43
• “ Olhei para as árvores, os pássaros estavam lá sentadinhos, não se mexiam, também deviam estar a suar.” In página 60
• “ (…) mas eu, com o suor e a massa dos óculos (…)”In página 66
• “ (…) nem mingúem a correr (pra evitar a cantiga) “In página 80
• “ (…) porque ela já me tinha dito pra eu não andar a correr à toa que ficava suado e sujo(…)”In página 81

6) Luanda é sem dúvida uma cidade de muito calor. Esta repetição de «suor, sovaco», foi intencional no romance? Afinal por que motivo falar tantas vezes na dita «cantiga »?
É um recurso sensorial... que também funciona como recurso descritivo... mas eu não entendo nada disso...

Camarada António

7) No romance em análise assistimos à morte do Camarada António, que, pelo que dá a perceber, apesar de ser um criado lá de casa, não é um simples criado. Não obstante, a forma como nos dá a conhecer a morte dele é muito superficial, é como que haja um processo de suavização da morte do camarada. Como é a sua relação com a morte e sobretudo perder algum ente querido em duas vertentes, na realidade e no papel?
Primeiro, devo esclarecer, o camarada António não era um criado. Era um empregado. Uma pessoa que trabalhava na minha casa e cuja profissão ou ocupação, era ser cozinheiro. Desculpe o preciosismo, mas o termo “criado” acarreta conotações que nunca entraram pelas portas da minha casa, isto é, da casa dos meus pais. Segundo, afirmar que a forma como dou a conhecer, no livro, a morte do camarada António “é muito superficial”, é uma convicção sua. Tenho para mim que realmente o que se passou nessa parte do livro foi que eu quis imprimir no livro a “brevidade” (diferente de superficialidade...) da notícia, tal qual me havia acontecido na vida real. A notícia foi-me dada com alguma simplicidade e rapidez, para não dizer brusquidão, e assim aconteceu-me escrever no livro. E sem comentários, sem floreios literários ou reflexões sobre o assunto. Aliás, como sabe, a única reflexão que há ali é emocional, sensorial: o rapaz vai à cozinha e “finge” que pode falar com o camarada António, dirige-lhe a palavra, e aguarda respostas que não chegam. E depois chove. Chove no seu quintal e no quintal do camarada António. Por fim, a minha relação com a morte... É algo estranho, sempre foi... Não tenho muito a dizer sobre isso. Não tenho nada contra a morte, tenho é imensa dificuldade em entender a saudade que nos fica da pessoa, e a sentença, cruel, de não voltar a poder falar com alguém. É isso que me dói na morte.

Ao longo do romance são enumeras as referências ao Camarada António, sobretudo na parte inicial do mesmo. A figura desta personagem remete-nos para o colonialismo português em Angola e a opinião das pessoas no pós-colonial.


• “ – Menino, no tempo do branco isto não era assim…” : camarada António in página 13
• “ –Ê!, menino, mas naquele tempo a cidade estava mesmo limpa… tinha tudo, não faltava nada…”: in página 14, camarada António
• “ – Mas tinha sempre pão na loja (…)”: in página 14, camarada António
• “ – Ninguém era livre como assim? Era livre sim, podia andar na rua e tudo…”: in página 15, Camarada António
De facto como se sabe o período de descolonização não veio apaziguar os povos Africanos, veio antes despoletar uma nova guerrilha de interesses internos, com vista à obtenção do poder. Daí, tais comentários tenham sido tecidos pelo camarada António. Para pior, mais valia continuar como estavam…
A propósito desta questão Ondjaki diz: O camarada António defende e descreve uma perspectiva pessoal da visão que tinha do tempo anterior à independência...
A Guerra

8) Outras das temáticas presente nesta obra é a Guerra. Como é que foi crescer no meio dela?
Eu costumo dizer que as crianças e as gentes de Luanda tinham a sorte de nunca ter vivido “demasiado perto” da Guerra. Luanda sempre foi o centro político protegido da realidade mais bélica da guerra. Crescemos, então, no meio da “psicologia da guerra”, das notícias da guerra, dos ecos de uma guerra que sabíamos que acontecia sobretudo mais a Sul. E foi isso. Éramos muito crianças, e o terror associado ao facto de “ir para a guerra”, acompanhava mais os adolescentes do que a nós, meras crianças. Quando chegou a nossa adolescência, a guerra tinha adquirido já um outro formato, bem como o modo de incorporar jovens. Mas, sim, há digamos uma presença dos ecos da guerra na minha infância e adolescência. De resto, nada de traumático. Felizmente.


Apercebemo-nos no romance o clima de medo que se vivia na infância do narrador, que de facto, vem ao encontro do que Ondjaki afirma na resposta anterior. De facto existia muito e usando palavras dele a “psicologia da guerra”.
• “ Guerra também aparecia sempre nas redacções (…)”In página 129
A esse propósito criavam-se muitos boatos, os ditos mujimbos que atormentavam muitas as crianças. Ideias fantasiosas que iam passando de criança para criança.
Mujimbos

Os exemplos seguintes ilustram bem essa mesma situação:
• “ – Eram mais de cinquenta, tou-vos a dizer… Mais de cinquenta…” In página 45 – Eunice
• “ – Eu não vi o camião, mas tenho colegas que viram.” In página 46-Eunice
• “ – Não deu para ver (…) vi bué de homens, média duns setenta…” In página 46
• “ – Sim, dizem que eles (…)”In página 46
• “ (…) tinha de ir telefonar a alguém a contar o mujimbo do Caixão Vazio.” In página 48
Em relação ao episódio do «Caixão Vazio» este remete-nos para a ideia que haveria um grupo de homens que andavam num camião e que vandalizavam escolas, violavam raparigas, matavam pessoas. É evidente que todos estes episódios faziam com que as crianças temessem pela sua segurança e estivessem sempre bem atentos, àquilo que as rodeava.
Os mujimbos, uma das características do povo africano, neste caso angolano é uma temática que realmente se encontra bem frisada neste romance.
Para além dos que já foram mencionados podem ainda destacar-se entre outros, os seguintes:



• “ – Eu nunca vi, tia, mas toda a gente sabe que ele tem lá o jacaré…,” In página 52
• “ (…) tanta porrada, mas tanta porrada, que no dia seguinte ele voltou lá à procura da orelha, tia! (…) o Cláudio mesmo é que lhe foi mostrar onde tava a orelha (…)”In página 57
• “ Não sei, há quem diga que nessa altura de queimaram os ladrões com pneus, os assaltos diminuíram, mas isso já não lhe posso confirmar.” In páginas 58,59
• “ Se ele tivesse visto um desafio de futebol e ninguém soubesse o resultado, de certeza que o Murtala ia aí uns sete golos, vinte e duas faltas, duas expulsões e lesões do próprio árbitro (…)”In página 80
• “ (…) cada um queria aumentar qualquer coisa na versão dele.” In página 89
• “ Vou jurar aqui pela alma do meu avô (…) pra não dizerem que aumentei já o acontecimento.” In página 111
• “ Havia até pessoas que sabiam mujimbos do Kuando Kubango, , das estórias que contavam (…) “In página 129
Os mujimbos criam de facto “suspense” no próprio romance. A confirmação da sua veracidade ou não. Se atentarmos nas falas das personagens constatamos que, estes são transmitidos de pessoa para pessoa, quase sempre de forma oral, muitas vezes sem confirmação: “– Eu nunca vi, tia, mas toda a gente sabe que ele tem lá o jacaré…,” In página 52. Se as pessoas diziam, à partida era porque era verdade.
Não obstante o que acontece muitas vezes é que as pessoas começam a aperceber-se do exagero aplicado a determinadas situações e começam a desconfiar da palavra do outro. De tal forma que começa a haver a necessidade de recorrer ao juramento como forma de atestar a veracidade da afirmação proferida:
“ (…) juro aqui com sangue de Cristo, pela alma do meu avô que tá debaixo da terra (…) “
A propósito deste juramento o escritor afirma: “era uma frase comum de ser dita, e acho que era para imprimir, muitas vezes, veracidade a um mujimbo; quando quem o contava, apesar de jurar, sabia perfeitamente que poderia não ser verdade...”


Os anos 80

Retomando a questão do período político que assombra todo este romance vários são os indícios destacados ao longo dele que o caracterizam:
• “Quando eu ia tirar o meu papel com as coisas que tinha escrito, a Paula explicou-me que não era necessário porque já tínhamos ali uma folha da redacção com os textos de cada um.” In página 36
• “Não, eles tinham um papel lá da Rádio, com carimbo e tudo, já tinha lá as mensagens de cada um. Eu li uma e eles leram as outras duas.” In página 37
• “Ao pé da porta de saída das pessoas havia uma pequena confusão, vi os FLAPAS a correr, pensei já que ia sair tiro”. In página 37
• “Não consegui mais ver o macaco, começou uma pequena confusão, o outro FLAPA chegou perto da senhora e tirou-lhe a máquinas das mãos.” In página 38
• “(…) em Luanda não se podia tirar fotografias assim à toa.” In página 38
• “Não podes tirar fotografias àquele macaco…, por razões de segurança de Estado (…)”In página 40
• “ – O cartão de abastecimento. Tu tens de ter um cartão de abastecimento, não é?” In página 47
• “ – Nem tem um camarada na peixaria que carimba os cartões quando levantas peixe à quarta-feira?”
Em relação aos cartões de abastecimento achava interessantíssimo mostrar um neste trabalho. Tentei verificar se Ondjaki teria algum, ao que me responde: “não os tenho... quem me dera encontrar um!”
• “ – Pois… Escapaste é ver a cerimónia de tiros que ia haver se algum FAPLA te visse a mexer (…)”In página 53
• “ – Não, tia, aqui não se pode. Esta praia tão verzul é dos soviéticos.”
• “ Presidente em África, tia, só anda já de Mercedes, e à prova de balas.” In página 56
• “ (…) ali em Luanda havia muitos bandidos, mas que era uma profissão perigosa.” In página 56
• “ Ela só nos disse para irmos fardados, pra não esquecermos o lenço da OPA e quem quisesse podia trazer cantil. A concentração era ali na escola às sete e meia, depois íamos a marchar para o Largo 1.º de Maio.”
• “ Estávamos todos direitinhos, em sentido, passaram revista aos lenços, quem não tinha lenço podia voltar pra casa, aquilo era o desfile do 1.º de Maio (…) não admitia crianças sem o fardamento completo. “
• “ (…) uma camarada do Ministério da Educação veio distribuir bandeirinhas vermelhas, amarelas, umas do país, outras do MPLA.” In página 81
• “ (…) as mamãs da OMA , os jovens da «jota» , os pios da OPA (…)”In página 81
• “ – O MPLA é o povo…”
• “ – E o POVO É O MPLA!” In página 82
• “ – Abaixo o Imperialismo…” In página 82
• “ DOS SANTOS… AMIGO… O POVO ESTÁ CONTIGO… DOS SANTOS… AMIGO… O POVO ESTÁ CONTIGO…,” In página 82
• “ DOS SANTOS… AMIGO… A OPA ESTÁ CONTIGO… DOS SANTOS… AMIGO… A OPA ESTÁ CONTIGO!” In página 83
• “ (…) afinal estavam a dizer que a guerra tinha acabado, que o camarada presidente ia se encontrar com o Savimbi, que já não íamos ter o monopartidarismo e até estavam a falar de eleições.” In página 133
É certo que Ondjaki, ao pertencer à primeira geração descolonizada, torna-se "pioneiro", como para o "pioneiro-protagonista"é o convite da jornalista Paula, para a celebração do 1º de Maio na Rádio Nacional, como se observa na pergunta feita pela mãe: "-Olha, a Paula vai fazer amanhã um programa sobre o 1º de Maio e queria recolher depoimentos dos pioneiros... Tu queres ir?". E também é pioneiro ao pertencer à classe média emergente que possui geleira, telefone e ar condicionado, ou "ar concionado".


Temos assim patentes ao longo da obra várias referências ao período de descolonização, e a forma como a organização política se encontrava. Concomitantemente são feitas referências a outras figuras históricas:
• “Ele também falou do camarada Che Guevara(…)”, narrador, pág. 17
• “ Era a Paula da Rádio Nacional, (…)” In página 24
• “(…) ou a UNITA tivesse partido uns postes” In página 26
• “Depois vinha o intervalo com a propaganda das FAPLA.” In página 26

9) O que era a FAPLA, e como é que uma criança luandense na década de 80 tem noção dos tipos de comportamento que devia ter na presença dos agentes da FAPLA?
Um FAPLA era um soldado das FAPLA – forças armadas para a libertação de Angola, era o nome do braço militar do MPLA, e depois ficou com o nome de exército nacional, até 1992, onde as forças armadas angolanas se passaram a designar FAA e a incorporar membros da UNITA. Sim, as crianças sabiam como falar ou agir na presença de um FAPLA.
• “(…) ANC , enfim, isso eram nomes que uma pessoa ia apanhando ao longo dos anos”. In página 26
• “(…) o meu pai nos explicou quem era o camarada Nelson Mandela, (…)”In página 26
• “(…) esse camarada Mandela já estava preso não sei quantos anos.” In página 26
• “ Era um filme do Trinitá , (…)”In página 44
• “ uma pintura do camarada José Martí na entrada. “In página 122.



Ainda relacionado com a questão da guerra ao ler-se o prefácio de Ondjaki no livro de Pedro Muiambo – A Enfermeira de Bata Negra , pode destacar-se o seguinte:
Referência à Guerra (contrastes entre Moçambique e Angola)

• “Nisso da guerra – e das crueldades da guerra – o teu país é primo-como-irmão do meu, e as estórias que relatas aparecem com cheiro de drama e veracidade, porque a guerra é real.”
• “Para mim é normal que ela apareça constantemente na boca das crianças, como Isayana conversa com o tio:
- Quantos mataste até agora?”
• “No livro como na vida, a infância dá lugar à guerra (…)”
• “É tempo de as crianças dos nossos países olharem a guerra como uma coisa já distante.”

Ainda sobre esse prefácio:

10) Através de uma análise atenta ao prefácio da sua autoria no livro de Pedro Muiambo – Enfermeira de Bata Negra, o Ondjaki a certa altura despede-se dizendo: “Pedro, eu vou indo. Sinto um rumor de novas histórias iluminado pela lua nova”. O quê que a noite tem, que o faça despertar para a escrita? que tipo de inspirações lhe dá?
É muito difícil de explicar, parece sempre que quando se tenta abordar o processo de criação caímos no campo, novamente, de uma especulação oca... A verdade é que, como dizia o outro, oxalá que a inspiração nos apanhe a trabalhar quando chegar. E isso, no fundo, é a disponibilidade interna, artística, intuitiva, coincidir com um “bom momento” de escrita...


Os cubanos

11) Outra das grandes questões da obra em análise é o facto de os cubanos terem ajudado na reconstrução do seu país, do seu povo. O Ondjaki analisa este processo como “uma questão de solidariedade”. Alguma vez teve o feedback de alguns dos seus professores cubanos que referiu no seu romance?
Não, infelizmente nunca os reencontrei, embora eu os procure há muitos anos. Já estive duas vezes em Cuba, agora (Fevereiro de 2010) acaba de sair uma edição cubana do BDC, e sempre os refiro quando dou entrevistas em Havana. Mas ainda não aconteceu. Tenho muito desejo que isso venha a acontecer, sobretudo porque escrevi o livro também para eles, e porque gostaria de os abraçar e contar algumas estórias, saber deles, etc. Estou convicto que isso há-de de acontecer.
No romance Bom Dia Camaradas, são enumeras as referências feita aos cubanos que na altura, do período de descolonização e das guerras subsequentes vieram auxiliar os africanos. Angola foi um dos países de excelência onde os cubanos se instalaram, o que de facto marcou a vida de muitos angolanos e daí as enumeras referências a este povo:
• “O camarada professor disse mira, yo trabajo desde hace muchos años y todavia no tengo uno, e nós ficámos muito admirados porque quase todos na turma tinham relógio.”: narrador, In página 17.
• “ A professora de Física também ficou muito admirada quando viu tantas máquinas de calcular na sala de aula”, narrador in página 18
• “E quem tinha os olhos mesmo bem acesos era o camarada professor Ángel, tipo nunca tinha visto tanta comida junta, dava gosto ver-lhe atacar o pão com compota.” In página 43
• “ A camarada professora María só faltava já babar, o que ela não fazia porque estava sempre de boca cheia a comer a compota de morango.”
• “ – Eu acho que eles são muito corajosos… Nunca ouvi nenhuma estória de cubano que estivesse a fugir de combate.” In página 75
• “ Os camaradas professores cubanos até nisso eram simpáticos porque quando apanhavam alguém a cabular só davam um aviso, não tiravam o ponto à pessoa.” In página 119
• “ Sentámos ali nos cadeirões com bué de buracos, começamos a olhar: tinham uma tv a preto e branco, a mesa só tinha três pernas e tinha ao lado uma cadeira igual à que havia na escola.” In página 122
• “ Eu não disse nada mas também achei que estava a cheirar a mofo.” In página 122
• “Ele me abraçou e limpou as lágrimas.” In página 125
Através das citações anteriormente destacadas apercebemo-nos de facto, da humildade dos cubanos, o facto de não terem uma vida economicamente viável, apesar de muitos serem professores. A estranheza que demonstram em ver objectos que muitos alunos possuíam, eles próprios, relógios, máquinas de calcular…
A satisfação quando são convidados para irem lanchar a casa de algum aluno e o excesso de comida que os faz “babar”…
Apesar de toda a humildade, de virem num socioeconómico baixo, não deixam de revelar um sentimento de patriotismo com os angolanos, não “fogem ao combate” e sobretudo são seres humanos de uma sensibilidade extrema. A forma emocionada como se despendem dos alunos revela isso mesmo.
“ (…) la educación es una batalla.” In página 110
“ (…) los niños son las flores de la Humanidad!” In página 111
12) Como é que vê a escravatura e tráfico de crianças, em países como o Gana, por exemplo?
Vejo como um problema muito grave. Assim como os maus tratos sexuais às crianças europeias e americanas; e à pedofilia também associado ao tráfico de crianças europeias e asiáticas...
“(…) caneta ser a arma do pioneiro.” In página 29
A última frase estava escrita nos cadernos do ensino primário: “a caneta é a arma do pioneiro!” (Ondjaki)


Não menos importantes são os «ensinamentos de vida» que os professores cubanos transmitiam aos seus alunos. A lutarem pelos seus ideais, pela sua educação, pelo seu sucesso escolar.
A amizade e a inveja

Outra questão que é analisada no romance está relacionada com a amizade versus inveja.
Seguem-se alguns exemplos que mostram bem essa dualidade:
• “Já a Petra todos os dias estudava, metia raiva, aquela miúda (…)” In página 23
• “Bem feita, que é pra não se armar em chica esperta e ver se fica um bocadinho menos agitadora.” In página 31
• Fui abrir a porta ao camarada António, e claro que lhe disse que tinha chaves e que não era preciso.” In página 33
• “A Petra só dizia com ar de gozo (…)”
• “ – Ró…” In página 66
• “ – Só não podemos cair, Ró, não podemos cair…” In página 69
• “ A Romina agarrou-me a mão com muita força, (…)”In página 69
• “ Eu e a Romina éramos amigos há muito tempo (…)” In página 73
• “ Para mim tinha sido bom, agora que tudo tinha passado, termos corrido juntos.” In página 74
Confrontado com esta dualidade de sentimentos que o narrador expressa principalmente com Petra e Romina, o autor do romance afirma que: “a Petra e a Romina foram um pouco “aumentadas” para imprimir um outro ritmo à estória. Eu não tinha inveja da Petra, o narrador é que tinha.”
Continuando na análise da rede de afectos do narrador, verifique-se que este nutria uma grande cumplicidade com a mãe (relações afectuosas, carinho), ao passo que o mesmo não acontece com o pai que por exemplo prefere «ouvir as notícias das 13 horas», ao invés de saber como correu a manhã de aulas das filhas.

Relação com a mãe:

• “(…) deu-me um beijinho, foi para a casa de banho (…)” In página 23
• “ Deu-me só um beijinho e disse-me para eu pensar naquilo do 1.º Maio para a rádio (…)”In página
• “ O sonho foi tão barulhento e cheio de confusões e tiros, que a minha mãe teve que me acordar quase de manhã a pedir-me para eu não dizer tantos disparates enquanto sonhava.” In página 48
• “ – Correu tudo bem, filho? – a minha mãe veio me dar um beijinho.” In página 61
Em relação à temática de afectividades, entre o pai e mãe, Ondjaki revela que “Por alguma razão nem o pai nem a mãe aparecem tanto na obra. Acho que literalmente eu tinha outras prioridades...”
A questão da oralidade

13) A questão da oralidade africana é algo que está bem patente neste romance, através da forma como explicita as ideias, dos vocábulos que utiliza, da construção frásica. Como é que vê a questão da oralidade, tão patente nos seus ancestrais? Acha que é fundamental na História de um povo, e daí quere-la transmitir nas suas obras?
Não, não quero transmitir a “oralidade africana” nos meus romances. Quero escrever romances que têm um estilo e um ritmo que a própria estória-ficção me dita. É só isso. Porque é muito fácil dizer que BDC ou o livro “Quantas madrugadas tem a noite” tem muita influência da oralidade africana, mas depois se formos falar do livro “O assobiador” ou mesmo o “Actu Sanguíneu”, onde é que fica essa oralidade? Penso que se trata de estilo e de necessidades, ou soluções, estéticas. Entenda que os vocábulos que utilizo e a construção frásica num livro como BDC, são uma “solução estética” para o livro em causa. Servem melhor ao livro e à estória que queria contar. Não servem um propósito maior de transmitir a oralidade africana...


Linguagem e estilo

14) Através da consulta da sua biografia constatei que desde cedo se dedicou à leitura de vários nomes da literatura, entre os quais Satre. Como comenta a afirmação do escritor: “ Ninguém é escritor por haver decidido dizer certas coisas, Mas por haver decidido dizê-las de determinado modo.” Considera que a introdução de determinados vocábulos de Kimbundu, por exemplo, nas suas obras as torna peculiares?
Não... O kimbundu é um “pequeno” recurso, aliás, natural, porque eu sou de Luanda e há grande influência da língua kimbundu na zona de Luanda. A única coisa que poderá tornar um livro peculiar, ou bom, ou interessante, é a sua “força literária”. Como isso se manifesta, é discutível, pode ser o ritmo, o conteúdo, a abordagem, o formato, etc. Mas se não tem alguma força, alguma “intensidade de conteúdo”, então você até o pode escrever em grego misturado com umbundu, não é por isso que chega ao mérito literário.
Ao lermos o romance apercebemo-nos da existência de inúmeras palavras, dito «calão» que abaixo se transcreve:
• “(…) yá (…): In página 16, narrador
• “ Ele estava a chorar e bazou para casa!!!”: In página 17, narrador
• “ é ir falar, né?” In página 25
• “(…) a Taag depois ainda melhorou uns coche (…)”In página 27
• “(…) ché!, eu ia zunir bué(…)In página 28
• “(…) haver uma borla todos os dias (…) In página”28
• “- Epá (…) e tinha bué de feridas…” In página 29
• “ (…) gamam mochilas, te chinam, violam miúdas (…)”In página 29
• “ (…) ché, só o poster!, tava a matar.” In página 34
• “ – Sim, ninguém gama essas tartarugas?” In página 35
• “O macaco lhe esticou uma lambisgóia do lábio que até saiu sangue.” 35
• “ (…) até fiquei burro, poça, (…) “ 35
• “ O macaco delirava, dava saltos mortais na cabeça da Kota, (…)”In página 38
• “ (…) avião acelera bué parece que vai se partir todo.” In página 41
• “ (…) o Murtala era muito fobado (…)”In página 43
• “ (…) o camarada presidente passa sempre a zunir (…)”In página 51
• “ (…) quando queres baldar (…) “In página 80
• “ (…) armou-se em parvo (…) palerma.” In página 81
• “ – Ouve lá, meu palerma…” In página 85
• “ (…) aqueles cabrões (…) “In página 85
• “ (…) começa só a desbobinar!” In página 101
• “ (…) também comiam bué de porrada (…)“In página 108
• “ (…) mamou vinte e quatro bifes (…)“In página 121
• “ – Seus burros!, temos que ir de noite!” In página 124
• “ (…) bué de ranho a cair do nariz?!” In página 125
Através da listagem destes vocábulos apercebemo-nos o quão ela é dominante neste romance. De certa forma, deixa de ser estranho, quando o narrador se assume criança, e, de facto este tipo de expressões, mesmo na sociedade portuguesa existe, no meio infantil. É evidente que a linguagem e estilo deste romance se caracterizam pela utilização do calão. Como podemos verificar pela entrevista o autor não pretende de forma directa transmitir a dita «oralidade», se bem que neste romance ela esteja patente, nomeadamente na utilização de frases incompletas, “- Eram mais de cinquenta, tou-vos a dizer…” In página 45.
A não preocupação da utilização de sinais gráficos (travessão) para iniciar o discurso, assim como as pausas no mesmo: “Mas, camarada António, tu não preferes que o país seja assim livre?, eu gostava de fazer essa pergunta quando entrava na cozinha.” In página 13
A forma como o pensamento e a linguagem se misturam, assim como o recurso a vocábulos em umbundu, como por exemplo: camba, campar, candengue…






A poesia de Ondjaki

15) tinha aprendido que era muito importante
criar desobjectos.
certa tarde, envolto em tristezas, quis recusar
o cinzento. não munido de nenhum
artefacto alegre, inventei um espanador de
tristezas.
era de difícil manejo – mas funcionava.
In: Materiais .., p. 7
Fernando Pessoa não consegue fruir instintivamente a vida por ser consciente e pela própria efemeridade. Muitas vezes, a felicidade parece existir na ordem inversa do pensamento e da consciência. Considera que o próprio Ondjaki traduz essa mesma tristeza nos seus poemas?
Há pouca tristeza, digamos assim, na poesia que tenho publicada. Publiquei três livros de poesia, e o primeiro só está disponível em Angola. Nesse primeiro, eventualmente, poderemos encontrar traços dessa “tristezura” que, sim, muitas vezes se passeia dentro de mim... Mas os outros dois livros, penso que não. Justamente gosto deles por se oporem a esse mundo interno um pouco menos alegre que tantas vezes me assola. É o meu lado de poeta, menos festivo e mais sério, talvez, que o meu lado de contador de estórias. Há muitos anos que deixei de entender o significado da palavra felicidade. Busco mais os meandros arejados da palavra “equilíbrio”...






A sua passagem por Portugal

16) Apesar de não valorizar vivamente o seu curso de sociologia, até que ponto alguém que tem uma base de formação num estudo de interacção de diferentes pessoas, em diferentes tipos de sociedades, lhe permite uma adaptação aos diferentes locais por onde vai passando?
Não sei... Acho que há sempre uma componente profissional e uma componente “pessoal” em tudo o que fazemos ou somos na vida. É-me difícil separar isso. Eu tenho graus relativos de adaptação aos locais por onde passo, e às vezes, dentro de mim, não seu bem aquilo que vou aparentando ser, não num sentido cínico de me dar às pessoas, mas porque, como todos os seres humanos, elevadas contradições entre sentires se operam dentro de mim, ao tomar contacto com diferentes pessoas ou lugares. Adapto-me, assim, a alguns lugares do que a outros. Por exemplo, nunca me adaptei a Nova Iorque, e fiquei lá apenas 6 meses, quando deveria ter ficado 3 ou 4 anos a fazer um mestrado. Inclusivamente saí de lá, abandonei o mestrado em virtude da minha “impossibilidade” de ali viver pacificamente... A vida é cheia de tendências...
17) Numa outra entrevista dada em 2007, Ondjaki afirmava que o facto de ter estudado em Portugal, mais concretamente, em Lisboa, lhe havia permitido e passo a citar “livrar-me de alguns mal entendidos históricos que carregava.” Que mal entendidos eram esses e o que o fez mudar de opinião?
Bom, crescendo em Luanda, nos primeiros anos após a independência, processavam-se, ao nível da escola, alguns equívocos relativos à ideia dos “colonialistas”. Com isto não quero dizer que não se passavam também as ideias correctas (do ponto de vista histórico) de todo esse complexo processo. Mas havia, na minha cabeça, sobretudo enquanto criança, uma ideia, digamos assim, um pouco equivocada do que eram “os portugueses”. E estar e estudar em Portugal, permitiu-me, obviamente, conhecer alguns portugueses de perto, inserido no seu dia a dia, na sua cultura. Isso libertou-me de alguns preconceitos que eu levava quanto aos portugueses. E confirmou outras certezas, sem dúvida. Também essa vivência em Portugal me permitiu conhecer e contactar com gentes de outros países africanos e do Brasil, o que me despertou para um novo olhar sobre esses povos e sobre o seu modo de usarem e falarem a tal de Língua Portuguesa.

18) Há previsões quando virá a Portugal?
Não.
Ligação ao mundo das Artes

19) A sua mãe era professora. De certo modo por episódios familiares que conheço, ter um pai ou uma mãe professores marcam a nossa infância. Há sempre aquela preocupação, acompanhamento individual. Terá sido que o levou para o mundo da escrita?
Sim, a minha mãe era professora. Isso teve muita influência, acho eu, na minha relação com a língua portuguesa, e com o acto de ler, talvez. Com a escrita, não sei dizer. Não acho que exista um modo de se saber como é que alguém chega à escrita (de livros), embora muitos escritores estejam convencidos que sim, que sabem como foi... A minha mãe e também o meu pai, sempre tiveram um zelo muito grande com a nossa educação, com a escola, os deveres de casa, estudávamos durante as férias grandes, etc. A escola, a academia, sempre foi uma prioridade demasiado séria em toda a minha família. A escrita chega porque tinha de chegar. Assim como um dia poderá ir-se embora.
20) Quem foi a primeira pessoa a ter contacto com aquilo que escrevia?
Não me lembro... Não sei bem... Porque “aquilo que escrevia” teve vários formatos. Primeiro foi a poesia em cadernos meus, depois escrevi um jornal na escola, ainda em Luanda, mas isso eu considerava uma espécie de ficção humorística para fazer os jovens colegas chegarem à leitura. Não gostavam de ler os meus colegas de escola, e se fosse algo cómico, satírico, aceitavam ler. Fiquei fascinado com o poder dessa ficção que “fazia ler” até os que não gostavam. Vi que se tratava de uma questão, afinal, de conteúdo. De estilo também, mas sobretudo de conteúdo. Depois comecei com os contos, e aí deve ter sido algum familiar, alguns amigos...
21) Se eu lhe pedisse uma frase para cada um, que caracterizasse a literatura de Luandino Vieira, Mia Couto e José Eduardo Agualusa. Quais seriam essas 3 frases?
Não saberia dizer... São três importantes escritores de Angola e Moçambique, com trabalhos e contextos distintos entre si. Mas preciso dizer que Luandino Vieira e, por exemplo, Ruy Duarte de Carvalho, são dois autores que estão à altura de receber um Nobel. Bem, é isso que eu sinto como leitor universal, não como cidadão angolano.
22) Considera que o facto de ter crescido, numa cidade multicultural como Luanda poderá ter contribuído para acentuar o seu lado criativo na Vida?
Sim, não sei se há uma relação directa, mas Luanda tem um ritmo de vida, de quotidiano, que certamente influencia quem lá vive. Há quem se deixe contagiar menos ou mais, há quem seja mais ou menos exuberante nessa vivência, mas ela é poderosa no seu ritmo e pressão.
23) Para além da sua relação com a escrita destaca-se a sua ligação à pintura, teatro e cinema. Como é que nasce esta sua ligação a todas estas formas de arte?
Foram épocas de experimentação, além de que, sinceramente, mesmo me considerando um perfeito amador, gosto muito de teatro. Gostaria muito de voltar a actuar, um dia destes... Mas, de resto, são coisas que faço para me experimentar, para me conhecer, e depois voltar à escrita. Com o tempo vamos limando as nossas ferramentas... E as minhas usam ser as da escrita.
24) Como foi iniciar este romance? Quantas vezes teve de modificar o 1.º parágrafo? O que custou mais, o iniciar ou o finalizar do mesmo?
Não, o primeiro parágrafo não alterei muito, acho eu... Foi natural começar o romance, porque estava com pressa de o entregar, tinha um prazo, digamos assim, acordado com o editor angolano... O que mais me custou foi fazer a “travessia emocional” pelas memórias que tive de invocar para chegar ao livro como um todo. Fiquei surpreendido com o poder sensorial dessas invocações... E acaba por ser um trabalho muito terapêutico, por razões óbvias.
25) Que misto de sensações o rodearam ao ter na mão o seu romance publicado, Bom Dia Camaradas, sendo este o 1º?
Foi interessante... Na altura senti que tinha feito uma longa caminhada para chegar ali. O que não era verdade. E como era uma estória tão autobiográfica, eu olhava para aquilo mais como um caderno de memórias do que como um livro de ficção. Só anos depois me fui apercebendo de que havia feito, de facto, um interessante exercício de transposição das memórias para a ficção. Mas não posso falar muito disto, porque fica mal estar a elaborar sobre o meu livro...
O Autor pelo mundo

26) Aquilo que temos vindo a assistir nos últimos tempos é que os grandes nomes da literatura africana se têm vindo a separar fisicamente do seu continente de origem e a estacionarem por outros locais no mundo, que não África. Sente que tal fenómeno, se deve ao facto de o Governo Africano ainda não ter criado as condições ideias para o desenvolvimento dos diferentes tipos de Arte e não reconhecer o potencial dos seus «filhos»?
Não. Estou convencido que, na maioria dos casos, tem a ver com circunstâncias do foro pessoal, e não profissional. Sabemos de casos que estão relacionados com as opções políticas dos escritores, e esses são casos específicos. Agora, África é um continente, e eu não sei do que se passa em todo o continente, nem estava ciente, antes de você me dizer, que os grandes nomes da literatura africana se separaram do continente de origem... Realmente não sabia. Assim como também desconhecia que havia um “Governo Africano”, ou, querendo ser mais condescendente com a sua terminologia, não sabia que os governos africanos (no plural) se comportavam como uma entidade uníssona que “não cria as condições ideais para o desenvolvimento dos diferentes tipos de Arte”. Na minha modesta opinião, o continente africano que conta com 54 países, apresenta uma diversidade étnica, cultural, política e ideológica tão intensa, que não me fica claro como será possível falar, ou pensar, num “Governo Africano”... Mesmo enquanto ideia abstracta, a designação certamente abusaria da generosidade do termo “ideia abstracta”...
27) Mia Couto tem um livro intitulado Cada homem é uma raça. Apesar de as suas raízes se fixarem bastante no continente Africano, mais especificamente, Angola (Luanda), como é que vê o seu deambular pelo Mundo? Entende o fenómeno da globalização como a aproximação de raças e culturas, permitindo dar a conhecer ao Mundo as suas raízes?
Bom, são sempre opções pessoais... E a viagem é um cruzamento de circunstâncias entre aquilo que a vida nos permite, e aquilo que decidimos que queremos fazer dela. Pessoalmente, sempre gostei de viajar e isso sempre me ajudou a ver e a compreender melhor as outras culturas. É esse o grande ganho, sim.

28) Os seus livros encontram-se já traduzidos em diversas línguas, francês, inglês, alemão, italiano, … Como é que um escritor ainda tão jovem, 33 anos, vê todo este reconhecimento espalhado pelo mundo?
Sinceramente, penso que esse escritor de 32 anos (ainda não fiz 33) tem que se concentrar em escrever melhor o seu próximo livro. E crescer: lendo, comparando, viajando, concentrando-se na seriedade da sua escrita. O que é a seriedade? É a honestidade literária. O saber cortar quando tiver que cortar. O saber estar calado quando nos fazem perguntas às quais não sabemos responder. Saber optar pelos momentos certos, pessoais e literários, sem ceder à vaidade. E é sabido que a vaidade nos chega e nos “ataca” por mecanismos secretos. Há que estar atento. E seguir a viagem com alguma tranquilidade. É isso que digo a esse escritor quando o encontro ao espelho. Se ele acredita, não sei...
29) Em relação ao acordo ortográfico. Não considera que a sua prática põe em causa a singularidade da literatura numa cultura, seja ela, qual for?
Só penso que não entendi bem quais foram as razões que levaram as pessoas a fazer e assinar este acordo, neste preciso momento. E por outro lado, quanto às consequências, só saberemos daqui a 50 ou 100 anos, porque agora estamos ocupados, ainda, em viver o processo. Portanto, desculpe, não sei quase nada sobre esse tal de acordo ortográfico....
30) Estamos em 2010, pode-nos adiantar em primeira ou segunda mão, como quiser, que tipo de género literário se encontra a escrever ou tem em mente?
Estou a terminar a revisão de um novo romance, o que normalmente leva algum tempo. E a terminar estórias infantis... E também a rever um antigo livro de poemas... E também a rever um novo livro de contos...
31) O quê que no seu ponto de vista faz com que um leitor que não saiba quem é o autor do romance, neste caso o Ondjaki o identifique pela forma como escreve?
Não saberia responder... E espero que o leitor se interesse pela obra, pela estória a ser contada, e não pelo autor. Não preciso que me identifiquem como autor, mas gostaria que considerassem o que conto uma “boa estória”. Apenas isso.


32) Quais as diferenças para si entre estória, história e História? Nós cá em Portugal não usamos a palavra estória!
Aprendi na 4ª classe que História, com “h” maiúsculo, era o que de facto se havia passado, sobretudo relacionado com factos e personalidades históricas. Nomes e personagens. Etc. História, com “h” minúsculo, é uma simples estorieta, um facto normal, comum, que de facto aconteceu, mas que não envolve personagens ou situações históricas. Um almoço, um “causo” de rua. E “estória” é algo mais subjectivo ou relativo, que depende de quem conta, e certamente deve conter algo de ficcional...
Adicionar uma legenda
À CONVERSA COM ONDJAKI:
ENTREVISTA EXCLUSIVA RICARDO PINTO:
Nadlu de Almeida nasceu em Novembro de 1977 em Angola, na belíssima cidade de Luanda.
Durante a sua infância começam a surgir fortes indícios de que aquela criança viria a tornar-se um nome incontornável da literatura contemporânea. Começou por utilizar as sebentas da escola para elaborar os seus primeiros textos…
Com 13, 14 anos começa a aventurar-se no mundo da leitura, começando com nomes ímpares da literatura como Satre, García Márquez e Graciliano Ramos.
Anos mais tarde assume uma faceta de escritor que faria engrandecer a cultura africana de expressão portuguesa.
Viria a assinar as suas obras com o pseudónimo Ondjaki. Palavra em umbundu, Ondjaki significa literalmente «aquele que enfrenta desafios» . O escritor confessa que era para se ter chamado Ondjaki, mas à última hora os seus pais decidiram mudar-lhe o nome. Quando conheceu a escrever assume, ter achado bem pegar nesse nome que outrora lhe estivera destinado.
Poeta e prosador, também escreve para cinema e co-realizou um documentário sobre a cidade de Luanda (“Oxalá cresçam Pitangas – histórias de Luanda”, 2006). É membro da União dos Escritores Angolanos e da Associação Protectora do Anonimato dos Gambuzinos.
Aos 32 anos de idade, vê reconhecido o seu trabalho pelos quatro cantos do mundo. Alguns dos seus livros foram traduzidos para francês, espanhol, italiano, alemão, inglês, sérvio, sueco e chinês.
Ondjaki caracteriza-se de facto pela sua versatilidade. Do conto, ao romance, à novela, à poesia, à literatura infantil, vem ainda acrescer o seu gosto pelo cinema, teatro e pintura. Questionado sobre toda esta envolvência nos diferentes tipos de arte, o escritor afirma gostar “de estar com os poros abertos e sofrer pressões de todas as artes, e de vários mundos, individuais e colectivos.”
Actualmente encontra-se a viver no Brasil, Rio de Janeiro, sendo que viaja constantemente pelo mundo, de destacar por exemplo a sua viagem a Cuba em Fevereiro passado.
Apesar de ainda muito jovem, o escritor angolano já soma no seu percurso importantes prémios que abaixo se destacam:
PRÉMIOS

-"Actu Sanguíneu" (poesia) Menção Honrosa no prémio António Jacinto (Angola, 2000)
-"E se amanhã o medo" (contos), Prémio Sagrada Esperança (Angola, 2004)
-"E se amanhã o medo" (contos), Prémio António Paulouro (Portugal, 2005)
-Finalista do prémio “Portugal TELECOM” (Brasil, 2007), “Bom dia Camaradas”.
-"Os da minha rua" (contos), Grande Prémio APE (Portugal, 2007)
-Finalista do prémio “Portugal TELECOM” (Brasil, 2008), “Os da minha rua”.
-Grinzane for Africa Prize - Young Writer (Italia/2008)




Nota: O romance utilizado para o presente trabalho foi:
• Ondjaki (2007); Bom Dia Camaradas; Editorial Caminho; 2.ª edição;












Metodologia do trabalho:

No âmbito da disciplina de Culturas Africanas Comparadas o presente trabalho tem como base fundamental uma análise à obra de Ondjaki, fundamentada na análise do seu primeiro romance, Bom Dia Camaradas (2001).
Nesse sentido o presente trabalho orientou-se em duas fases:
• Numa primeira fase foi lido e analisado o romance do escritor angolano, Bom Dia Camaradas, de 2001. Neste patamar do trabalho pretendeu-se analisar a forma de escrita, o seu estilo, linguagem, organização e mensagem transmitida;
• Numa segunda fase e porque nada melhor, do que o próprio escritor ser a nossa fonte de informação foi realizada uma entrevista via e-mail com o escritor em estudo.
Relativamente à escolha do romance para análise: confesso que até ao início deste ano lectivo desconhecia o escritor Ondjaki. Quando me começaram a falar nele havia aspectos que se frisavam e, que de facto me suscitaram curiosidade. Entretanto intercalou-se o Natal e chegou até mim esse mesmo romance. Numa primeira instância li o livro numa só noite. Era de facto uma estória envolvente, que dava vontade de continuar a ler e verificar o que se seguiria na intriga.
Para este trabalho de análise li novamente o livro de uma forma mais atenta, distante e tentei captar a essência do mesmo.
Portanto, uma vez que há aspectos da análise que se interligam com a entrevista concedida, não será feita uma análise estanque a cada fase, mas sim de uma forma complementar.




Objectivos a alcançar:

• Analisar o romance Bom Dia Camaradas de Ondjaki:
• Discutir a questão da infância;
• Verificar até que ponto se trata de um romance autobiográfico;
• Apontar algumas das tradições patentes na infância do narrador;
• Confrontar o autor do romance com a clarividência da predominância do cheiro na obra;
• Tentar compreender a dinâmica das personagens apresentadas;
• Compreender de que forma os mujimbos invadem a realidade angolana;
• Caracterizar o momento relativo ao tempo da estória (anos 80);
• Analisar o fenómeno de descolonização e o impacto na sociedade;
• Vivenciar a integração dos cubanos na sociedade angolana;
• Estabelecer as relações afectuosas do narrador;
• Discutir a questão da oralidade africana no romance;
• Caracterizar a linguagem e estilo patentes na obra;
• Conversar com o autor sobre outros aspectos relacionados com a sua vida.






1) A infância é um elemento muito produtivo na sua literatura. Noto que o seu olhar nessa mesma infância é um olhar do presente sobre o seu passado. O porquê de todo esse fascínio pelo mundo infantil, mais concretamente, a sua infância?
Qualquer tentativa de explicar esse fascínio pela infância, está condenada a uma solução especulativa, quase abstracta... Talvez, como diria Manoel de Barros, eu só saiba falar disso, ficcionalmente. Depois teria que acrescentar que “não é bem assim”, no meu caso. Sei e gosto de falar de outras coisas, mas há um lado ficcional, que trata de uma infância de certo modo “autobiográfico”, que me faz escrever com ternura e com prazer. O que não acontece sempre. A verdade é que escrever sobre universos que tocam a minha infância muitas vezes se configura como uma “urgência estética”, e escrever sob esse estado de encantamento, é uma experiência muito agradável, do ponto de vista humano...

De facto a própria contra-capa do romance diz-nos que a «Infância é um antigamente que sempre volta» . Este livro retrata isso mesmo, a infância de um menino nos anos 80, o narrador, que se designa de Nadlu. Relativamente ao facto de a personagem ter o mesmo nome do registo civil do autor da obra fez com que eu, o questiona-se:
2) Podemos classificar este romance como autobiográfico, na medida em que o próprio narrador se chama Ndalu?
Quer me parecer que sim, mas não se deve chegar a essa conclusão pelo nome do personagem...
É evidente que pelo levantamento de diferentes situações que nos vão sendo narradas ao longo do romance, assim como a confirmação do autor em como o nome de todas as personagens do romance Bom dia Camaradas são “verdadeiras” recria bastante a sua própria infância.






Figura 1- “Teria 5 ou 6 anos. A árvore é um abacateiro.”
O abacateiro apresentado na figura 1 encontra-se referenciado no romance na página 116: “Dali não via o abacateiro, mas podia ouvir as folhas dele, sentir o cheiro forte, ouvir um abacate cair.”
Infância do narrador - núcleo de personagens envolventes:

Outras referências são citadas na obra que nos remente para a infância do narrador:
• “ Eu ia ficar atrapalhado se no meio da correria os óculos caíssem (…) “
“ (…) só não podia correr muito tempo porque eu também sofria de asma.” In página 71;
• Pai trabalhava no ministério: “- O camarada João era motorista do ministério. Como o meu pai trabalhava no ministério ele ajudava nas voltas da casa.”: In página 15;
• “- Bom dia, camarada António…” In página 21
• “ No final da tarde a camarada directora veio falar connosco (…)”In página 18
• “ As minhas irmãs chegavam da escola, o meu pai também chegava.” In página 25 ´
• “Eu e ela tínhamos aulas à tarde, ela porque era professora e eu porque era aluno” In página 27
A mãe era professora, dava aulas à primária, desde a 1ª à 4ª classe; por vezes, era chamada a dar aulas de português ao 5º e 6º ano).
• “Como dizia a professora Sara, parece que vocês não sabem que a vossa missão é estudar (… )”In páginas 28 e 29
• “Murtala, assustado, aqueles olhos de rato já bem acesos.” In página 29
• “Petra ia ter medo, mas sempre mais preocupada com as aulas, In página 30
• “ A Romina convidou alguns colegas e os camaradas para irem lanchar à casa dela (…) “In página 43
• Tia Dada: “ – Dona Eduarda, por favor, saia do carro…” In página 53
(A tia Eduarda, ou tia Dada, como era carinhosamente tratada nasceu e cresceu no Namibe, que antigamente se chamava Moçamedes; quando foi para Portugal viveu no Cacém) Ondjaki
Tradições patentes na infância do narrador:

• “Ele me deixou na escola. Os meus colegas estavam todos a rir porque eu tinha chegado de boleia. Nós costumamos gozar sempre quem chega de boleia (…)”: narrador, In página 16
• “Os professores escolhiam dois monitores por disciplina(…) e tinha que se saber tudo sobre a disciplina e não se podia tirar menos de 18. “ narrador, In página 18

3) Alguma vez foi monitor? E consegui tirar o 18?
Fui monitor da Física, na 7ª classe, e sim, tirei 18 algumas vezes.
• “(…) quando entrava alguém na sala de aula tínhamos que nos pôr de sentido e fazer aquela cantoriazinha, que uns e outros aproveitavam para berrar: bua taaardeeeee… camarádaaaaa… directoraaaaaaa. (…) atééééééééeé… manhãããããã… camarádaaaaaaa directoraaaaaaaa!” In páginas 18 e 19
• “Matabiachar cedo em Luanda, cuia!” In página 21
• “ (…) mas não conversámos muito, até porque na escola se um rapaz está toda hora a conversar com uma rapariga, assim já vão dizer que ele quer engatar, que tá a dar xaxo, ou então, que é pior, dizem que é um rapaz que só quer andar com meninas.” In página 80
• “ (…) a escola não tinha casas de banho, não sei pra que aquela conversa (…) “In página 81
• “ (…) toda a gente gostava de chegar de boleia no dia das provas (…) “In página 116
• “ (…) toda a gente desenhava coisas relacionadas com a guerra (…)”In página 128
• “ Desenhar armas era normal, toda a gente tinha pistolas em casa (…)” In página 128
• “ Guerra também aparecia sempre nas redacções (…)”In página 129

4) Ao longo do romance em análise, Bom Dia Camaradas, apercebemo-nos da facilidade com que reconstrói mundos, vivências e sobretudo cheiros com bastante pormenor. Podemos considerar que todo este processo se trata de uma espécie de nostalgia da infância e/ou uma maior facilidade de o presente encontrar o passado?
Não sei. Talvez o apelo aos universos ‘sensoriais’ seja um recurso para chegar a certos lugares da memória. Há sim, em mim, uma ‘boa nostalgia’ pela infância, sendo que é um mundo que, no presente e no futuro, tenho tendência para recordar como muito bom, tempo de felicidade, de encantamento pela simplicidade da vida, coisas que fui perdendo com a idade mais adulta, uma vez que “interpretar o mundo” acaba por complicar a visão que dele temos... De resto, é um recurso literário como qualquer outro, mais ou menos consciente, dependendo do momento da escrita.

Ao longo da obra em análise encontram-se bem patente o recurso aos elementos sensoriais, sobretudo do cheiro através das seguintes passagens:


Referências aos diferentes tipos de cheiro

• “Todos os dias ele tinha o mesmo cheiro, mesmo quando tomava banho, parecia ter sempre aqueles cheiros da cozinha.” In página 14 (referência ao Camarada António);
• “Há assim um fresquinho quase frio que dá vontade de beber leite com café e ficar à espera do cheiro da manhã.” In página 22
• “O cheiro da cozinha, o apito da panela, a movimentação do camarada António, tudo me diziam ser onze horas.” In página 23
• “Mas aquele quente-abafado misturado com o cheiro a peixe seco queria dizer, isso sim, que tinha chegado um voo nacional” In página 37 (episódio em que o narrador se dirige ao aeroporto para receber a tida “Dada” que chegava de Portugal.
• “Depois abriu a janela e parecia que estava a fazer como eu faço de manhã, a cheirar o ar”. In página 40 (Referência à tia “Dada”).
• “ Aquele cheirinho abriu-me o apetite, há quem não goste, mas eu acho que o peixe seco cheira muito bem, parece sumo concentrado do mar.” In página 41
• “ Senti o cheiro da comida vir da outra sala, era peixe grelhado de certeza absoluta.” In página 62
• “ Do meu lugar eu via a chávena à minha frente, o fumo que saía da chávena, sentia o cheiro do pão torrado, o cheiro da manteiga a derreter nele (…) “In página 77
• “ (…) na minha casa, com este jardim, noite tem cheiro (…) “In página 97
• “ (…) a noite traz outros cheiros para esta varanda (…) “In página 97
• “ (…) um cheiro quente que pode ser uma coisa, imaginem onde se ponha rosas muito encarnadas, (…) “In página 97
• “ (…) tudo cheirinho de sobremesas deliciosas (…) “In página 108
• “ (…) continuava no ar aquele cheiro de despedida.” In página 108
• “ (…) porque despedida tem cheiro, vocês não sabem, né?, (…) “In página 109 (Referência à despedida dos professores cubanos no final do ano lectivo)
• “ (A Romina olhou para mim, ela sentiu o cheiro nesse momento.) ” In página 109
• “ Antes de chegar perto sente-se logo o cheiro do tufo de chá de caxinde, (…) “In página 115
• “ Dali não via o abacateiro, mas podia ouvir as folhas dele, sentir o cheiro forte, ouvir um abacate cair.” In página 116
• “ (…) a parte de trás das salas, ali onde cheirava bué a chichi.” In página 140
• “ (…) a água é que trás todo aquele cheiro que a terra cheira depois de chover, (…)” In página 135
5) Já ouvi comentários, de que o Ondjaki é de facto o «escritor dos cheiros». Considera-se um jardineiro de cheiros e aromas?
Não, só me considero um mero contador de estórias. E ainda tenho muito que aprender... Trabalho com esses recursos, porque me fazem sentido, porque é o modo que a minha escrita conhece de transmitir algumas coisas que, descritivamente, nem sempre ficam bem.
• “Alguns colegas cheiravam muito a cantiga (…)”In página 28
• “Estava muito calor, e lembro-me de ter sentido uma vez mais aquele cheiro generalizado de cantiga”. In página 32
• “Fingi que estava a limpar o suor da testa com a manga da t-shirt e aproveitei para cheirar o meu sovaco. Podia estar pior…, pensei.” In página 34
• “ Ai o meu sovaco já tava mesmo a cheirar (…)” In página 39
• “ (…) as minhas irmãs já tinham chegado a casa e também estavam a cheirar a cantiga(…)”In página 40
• “ (…) especialmente o Bruno e o Cláudio que também tiveram de lavar os sovacos porque aquilo já era de mais.” In página 43
• “ Olhei para as árvores, os pássaros estavam lá sentadinhos, não se mexiam, também deviam estar a suar.” In página 60
• “ (…) mas eu, com o suor e a massa dos óculos (…)”In página 66
• “ (…) nem mingúem a correr (pra evitar a cantiga) “In página 80
• “ (…) porque ela já me tinha dito pra eu não andar a correr à toa que ficava suado e sujo(…)”In página 81

6) Luanda é sem dúvida uma cidade de muito calor. Esta repetição de «suor, sovaco», foi intencional no romance? Afinal por que motivo falar tantas vezes na dita «cantiga »?
É um recurso sensorial... que também funciona como recurso descritivo... mas eu não entendo nada disso...

Camarada António

7) No romance em análise assistimos à morte do Camarada António, que, pelo que dá a perceber, apesar de ser um criado lá de casa, não é um simples criado. Não obstante, a forma como nos dá a conhecer a morte dele é muito superficial, é como que haja um processo de suavização da morte do camarada. Como é a sua relação com a morte e sobretudo perder algum ente querido em duas vertentes, na realidade e no papel?
Primeiro, devo esclarecer, o camarada António não era um criado. Era um empregado. Uma pessoa que trabalhava na minha casa e cuja profissão ou ocupação, era ser cozinheiro. Desculpe o preciosismo, mas o termo “criado” acarreta conotações que nunca entraram pelas portas da minha casa, isto é, da casa dos meus pais. Segundo, afirmar que a forma como dou a conhecer, no livro, a morte do camarada António “é muito superficial”, é uma convicção sua. Tenho para mim que realmente o que se passou nessa parte do livro foi que eu quis imprimir no livro a “brevidade” (diferente de superficialidade...) da notícia, tal qual me havia acontecido na vida real. A notícia foi-me dada com alguma simplicidade e rapidez, para não dizer brusquidão, e assim aconteceu-me escrever no livro. E sem comentários, sem floreios literários ou reflexões sobre o assunto. Aliás, como sabe, a única reflexão que há ali é emocional, sensorial: o rapaz vai à cozinha e “finge” que pode falar com o camarada António, dirige-lhe a palavra, e aguarda respostas que não chegam. E depois chove. Chove no seu quintal e no quintal do camarada António. Por fim, a minha relação com a morte... É algo estranho, sempre foi... Não tenho muito a dizer sobre isso. Não tenho nada contra a morte, tenho é imensa dificuldade em entender a saudade que nos fica da pessoa, e a sentença, cruel, de não voltar a poder falar com alguém. É isso que me dói na morte.

Ao longo do romance são enumeras as referências ao Camarada António, sobretudo na parte inicial do mesmo. A figura desta personagem remete-nos para o colonialismo português em Angola e a opinião das pessoas no pós-colonial.


• “ – Menino, no tempo do branco isto não era assim…” : camarada António in página 13
• “ –Ê!, menino, mas naquele tempo a cidade estava mesmo limpa… tinha tudo, não faltava nada…”: in página 14, camarada António
• “ – Mas tinha sempre pão na loja (…)”: in página 14, camarada António
• “ – Ninguém era livre como assim? Era livre sim, podia andar na rua e tudo…”: in página 15, Camarada António
De facto como se sabe o período de descolonização não veio apaziguar os povos Africanos, veio antes despoletar uma nova guerrilha de interesses internos, com vista à obtenção do poder. Daí, tais comentários tenham sido tecidos pelo camarada António. Para pior, mais valia continuar como estavam…
A propósito desta questão Ondjaki diz: O camarada António defende e descreve uma perspectiva pessoal da visão que tinha do tempo anterior à independência...
A Guerra

8) Outras das temáticas presente nesta obra é a Guerra. Como é que foi crescer no meio dela?
Eu costumo dizer que as crianças e as gentes de Luanda tinham a sorte de nunca ter vivido “demasiado perto” da Guerra. Luanda sempre foi o centro político protegido da realidade mais bélica da guerra. Crescemos, então, no meio da “psicologia da guerra”, das notícias da guerra, dos ecos de uma guerra que sabíamos que acontecia sobretudo mais a Sul. E foi isso. Éramos muito crianças, e o terror associado ao facto de “ir para a guerra”, acompanhava mais os adolescentes do que a nós, meras crianças. Quando chegou a nossa adolescência, a guerra tinha adquirido já um outro formato, bem como o modo de incorporar jovens. Mas, sim, há digamos uma presença dos ecos da guerra na minha infância e adolescência. De resto, nada de traumático. Felizmente.


Apercebemo-nos no romance o clima de medo que se vivia na infância do narrador, que de facto, vem ao encontro do que Ondjaki afirma na resposta anterior. De facto existia muito e usando palavras dele a “psicologia da guerra”.
• “ Guerra também aparecia sempre nas redacções (…)”In página 129
A esse propósito criavam-se muitos boatos, os ditos mujimbos que atormentavam muitas as crianças. Ideias fantasiosas que iam passando de criança para criança.
Mujimbos

Os exemplos seguintes ilustram bem essa mesma situação:
• “ – Eram mais de cinquenta, tou-vos a dizer… Mais de cinquenta…” In página 45 – Eunice
• “ – Eu não vi o camião, mas tenho colegas que viram.” In página 46-Eunice
• “ – Não deu para ver (…) vi bué de homens, média duns setenta…” In página 46
• “ – Sim, dizem que eles (…)”In página 46
• “ (…) tinha de ir telefonar a alguém a contar o mujimbo do Caixão Vazio.” In página 48
Em relação ao episódio do «Caixão Vazio» este remete-nos para a ideia que haveria um grupo de homens que andavam num camião e que vandalizavam escolas, violavam raparigas, matavam pessoas. É evidente que todos estes episódios faziam com que as crianças temessem pela sua segurança e estivessem sempre bem atentos, àquilo que as rodeava.
Os mujimbos, uma das características do povo africano, neste caso angolano é uma temática que realmente se encontra bem frisada neste romance.
Para além dos que já foram mencionados podem ainda destacar-se entre outros, os seguintes:



• “ – Eu nunca vi, tia, mas toda a gente sabe que ele tem lá o jacaré…,” In página 52
• “ (…) tanta porrada, mas tanta porrada, que no dia seguinte ele voltou lá à procura da orelha, tia! (…) o Cláudio mesmo é que lhe foi mostrar onde tava a orelha (…)”In página 57
• “ Não sei, há quem diga que nessa altura de queimaram os ladrões com pneus, os assaltos diminuíram, mas isso já não lhe posso confirmar.” In páginas 58,59
• “ Se ele tivesse visto um desafio de futebol e ninguém soubesse o resultado, de certeza que o Murtala ia aí uns sete golos, vinte e duas faltas, duas expulsões e lesões do próprio árbitro (…)”In página 80
• “ (…) cada um queria aumentar qualquer coisa na versão dele.” In página 89
• “ Vou jurar aqui pela alma do meu avô (…) pra não dizerem que aumentei já o acontecimento.” In página 111
• “ Havia até pessoas que sabiam mujimbos do Kuando Kubango, , das estórias que contavam (…) “In página 129
Os mujimbos criam de facto “suspense” no próprio romance. A confirmação da sua veracidade ou não. Se atentarmos nas falas das personagens constatamos que, estes são transmitidos de pessoa para pessoa, quase sempre de forma oral, muitas vezes sem confirmação: “– Eu nunca vi, tia, mas toda a gente sabe que ele tem lá o jacaré…,” In página 52. Se as pessoas diziam, à partida era porque era verdade.
Não obstante o que acontece muitas vezes é que as pessoas começam a aperceber-se do exagero aplicado a determinadas situações e começam a desconfiar da palavra do outro. De tal forma que começa a haver a necessidade de recorrer ao juramento como forma de atestar a veracidade da afirmação proferida:
“ (…) juro aqui com sangue de Cristo, pela alma do meu avô que tá debaixo da terra (…) “
A propósito deste juramento o escritor afirma: “era uma frase comum de ser dita, e acho que era para imprimir, muitas vezes, veracidade a um mujimbo; quando quem o contava, apesar de jurar, sabia perfeitamente que poderia não ser verdade...”


Os anos 80

Retomando a questão do período político que assombra todo este romance vários são os indícios destacados ao longo dele que o caracterizam:
• “Quando eu ia tirar o meu papel com as coisas que tinha escrito, a Paula explicou-me que não era necessário porque já tínhamos ali uma folha da redacção com os textos de cada um.” In página 36
• “Não, eles tinham um papel lá da Rádio, com carimbo e tudo, já tinha lá as mensagens de cada um. Eu li uma e eles leram as outras duas.” In página 37
• “Ao pé da porta de saída das pessoas havia uma pequena confusão, vi os FLAPAS a correr, pensei já que ia sair tiro”. In página 37
• “Não consegui mais ver o macaco, começou uma pequena confusão, o outro FLAPA chegou perto da senhora e tirou-lhe a máquinas das mãos.” In página 38
• “(…) em Luanda não se podia tirar fotografias assim à toa.” In página 38
• “Não podes tirar fotografias àquele macaco…, por razões de segurança de Estado (…)”In página 40
• “ – O cartão de abastecimento. Tu tens de ter um cartão de abastecimento, não é?” In página 47
• “ – Nem tem um camarada na peixaria que carimba os cartões quando levantas peixe à quarta-feira?”
Em relação aos cartões de abastecimento achava interessantíssimo mostrar um neste trabalho. Tentei verificar se Ondjaki teria algum, ao que me responde: “não os tenho... quem me dera encontrar um!”
• “ – Pois… Escapaste é ver a cerimónia de tiros que ia haver se algum FAPLA te visse a mexer (…)”In página 53
• “ – Não, tia, aqui não se pode. Esta praia tão verzul é dos soviéticos.”
• “ Presidente em África, tia, só anda já de Mercedes, e à prova de balas.” In página 56
• “ (…) ali em Luanda havia muitos bandidos, mas que era uma profissão perigosa.” In página 56
• “ Ela só nos disse para irmos fardados, pra não esquecermos o lenço da OPA e quem quisesse podia trazer cantil. A concentração era ali na escola às sete e meia, depois íamos a marchar para o Largo 1.º de Maio.”
• “ Estávamos todos direitinhos, em sentido, passaram revista aos lenços, quem não tinha lenço podia voltar pra casa, aquilo era o desfile do 1.º de Maio (…) não admitia crianças sem o fardamento completo. “
• “ (…) uma camarada do Ministério da Educação veio distribuir bandeirinhas vermelhas, amarelas, umas do país, outras do MPLA.” In página 81
• “ (…) as mamãs da OMA , os jovens da «jota» , os pios da OPA (…)”In página 81
• “ – O MPLA é o povo…”
• “ – E o POVO É O MPLA!” In página 82
• “ – Abaixo o Imperialismo…” In página 82
• “ DOS SANTOS… AMIGO… O POVO ESTÁ CONTIGO… DOS SANTOS… AMIGO… O POVO ESTÁ CONTIGO…,” In página 82
• “ DOS SANTOS… AMIGO… A OPA ESTÁ CONTIGO… DOS SANTOS… AMIGO… A OPA ESTÁ CONTIGO!” In página 83
• “ (…) afinal estavam a dizer que a guerra tinha acabado, que o camarada presidente ia se encontrar com o Savimbi, que já não íamos ter o monopartidarismo e até estavam a falar de eleições.” In página 133
É certo que Ondjaki, ao pertencer à primeira geração descolonizada, torna-se "pioneiro", como para o "pioneiro-protagonista"é o convite da jornalista Paula, para a celebração do 1º de Maio na Rádio Nacional, como se observa na pergunta feita pela mãe: "-Olha, a Paula vai fazer amanhã um programa sobre o 1º de Maio e queria recolher depoimentos dos pioneiros... Tu queres ir?". E também é pioneiro ao pertencer à classe média emergente que possui geleira, telefone e ar condicionado, ou "ar concionado".


Temos assim patentes ao longo da obra várias referências ao período de descolonização, e a forma como a organização política se encontrava. Concomitantemente são feitas referências a outras figuras históricas:
• “Ele também falou do camarada Che Guevara(…)”, narrador, pág. 17
• “ Era a Paula da Rádio Nacional, (…)” In página 24
• “(…) ou a UNITA tivesse partido uns postes” In página 26
• “Depois vinha o intervalo com a propaganda das FAPLA.” In página 26

9) O que era a FAPLA, e como é que uma criança luandense na década de 80 tem noção dos tipos de comportamento que devia ter na presença dos agentes da FAPLA?
Um FAPLA era um soldado das FAPLA – forças armadas para a libertação de Angola, era o nome do braço militar do MPLA, e depois ficou com o nome de exército nacional, até 1992, onde as forças armadas angolanas se passaram a designar FAA e a incorporar membros da UNITA. Sim, as crianças sabiam como falar ou agir na presença de um FAPLA.
• “(…) ANC , enfim, isso eram nomes que uma pessoa ia apanhando ao longo dos anos”. In página 26
• “(…) o meu pai nos explicou quem era o camarada Nelson Mandela, (…)”In página 26
• “(…) esse camarada Mandela já estava preso não sei quantos anos.” In página 26
• “ Era um filme do Trinitá , (…)”In página 44
• “ uma pintura do camarada José Martí na entrada. “In página 122.







Ainda relacionado com a questão da guerra ao ler-se o prefácio de Ondjaki no livro de Pedro Muiambo – A Enfermeira de Bata Negra , pode destacar-se o seguinte:
Referência à Guerra (contrastes entre Moçambique e Angola)

• “Nisso da guerra – e das crueldades da guerra – o teu país é primo-como-irmão do meu, e as estórias que relatas aparecem com cheiro de drama e veracidade, porque a guerra é real.”
• “Para mim é normal que ela apareça constantemente na boca das crianças, como Isayana conversa com o tio:
- Quantos mataste até agora?”
• “No livro como na vida, a infância dá lugar à guerra (…)”
• “É tempo de as crianças dos nossos países olharem a guerra como uma coisa já distante.”

Ainda sobre esse prefácio:

10) Através de uma análise atenta ao prefácio da sua autoria no livro de Pedro Muiambo – Enfermeira de Bata Negra, o Ondjaki a certa altura despede-se dizendo: “Pedro, eu vou indo. Sinto um rumor de novas histórias iluminado pela lua nova”. O quê que a noite tem, que o faça despertar para a escrita? que tipo de inspirações lhe dá?
É muito difícil de explicar, parece sempre que quando se tenta abordar o processo de criação caímos no campo, novamente, de uma especulação oca... A verdade é que, como dizia o outro, oxalá que a inspiração nos apanhe a trabalhar quando chegar. E isso, no fundo, é a disponibilidade interna, artística, intuitiva, coincidir com um “bom momento” de escrita...


Os cubanos

11) Outra das grandes questões da obra em análise é o facto de os cubanos terem ajudado na reconstrução do seu país, do seu povo. O Ondjaki analisa este processo como “uma questão de solidariedade”. Alguma vez teve o feedback de alguns dos seus professores cubanos que referiu no seu romance?
Não, infelizmente nunca os reencontrei, embora eu os procure há muitos anos. Já estive duas vezes em Cuba, agora (Fevereiro de 2010) acaba de sair uma edição cubana do BDC, e sempre os refiro quando dou entrevistas em Havana. Mas ainda não aconteceu. Tenho muito desejo que isso venha a acontecer, sobretudo porque escrevi o livro também para eles, e porque gostaria de os abraçar e contar algumas estórias, saber deles, etc. Estou convicto que isso há-de de acontecer.
No romance Bom Dia Camaradas, são enumeras as referências feita aos cubanos que na altura, do período de descolonização e das guerras subsequentes vieram auxiliar os africanos. Angola foi um dos países de excelência onde os cubanos se instalaram, o que de facto marcou a vida de muitos angolanos e daí as enumeras referências a este povo:
• “O camarada professor disse mira, yo trabajo desde hace muchos años y todavia no tengo uno, e nós ficámos muito admirados porque quase todos na turma tinham relógio.”: narrador, In página 17.
• “ A professora de Física também ficou muito admirada quando viu tantas máquinas de calcular na sala de aula”, narrador in página 18
• “E quem tinha os olhos mesmo bem acesos era o camarada professor Ángel, tipo nunca tinha visto tanta comida junta, dava gosto ver-lhe atacar o pão com compota.” In página 43
• “ A camarada professora María só faltava já babar, o que ela não fazia porque estava sempre de boca cheia a comer a compota de morango.”
• “ – Eu acho que eles são muito corajosos… Nunca ouvi nenhuma estória de cubano que estivesse a fugir de combate.” In página 75
• “ Os camaradas professores cubanos até nisso eram simpáticos porque quando apanhavam alguém a cabular só davam um aviso, não tiravam o ponto à pessoa.” In página 119
• “ Sentámos ali nos cadeirões com bué de buracos, começamos a olhar: tinham uma tv a preto e branco, a mesa só tinha três pernas e tinha ao lado uma cadeira igual à que havia na escola.” In página 122
• “ Eu não disse nada mas também achei que estava a cheirar a mofo.” In página 122
• “Ele me abraçou e limpou as lágrimas.” In página 125
Através das citações anteriormente destacadas apercebemo-nos de facto, da humildade dos cubanos, o facto de não terem uma vida economicamente viável, apesar de muitos serem professores. A estranheza que demonstram em ver objectos que muitos alunos possuíam, eles próprios, relógios, máquinas de calcular…
A satisfação quando são convidados para irem lanchar a casa de algum aluno e o excesso de comida que os faz “babar”…
Apesar de toda a humildade, de virem num socioeconómico baixo, não deixam de revelar um sentimento de patriotismo com os angolanos, não “fogem ao combate” e sobretudo são seres humanos de uma sensibilidade extrema. A forma emocionada como se despendem dos alunos revela isso mesmo.
“ (…) la educación es una batalla.” In página 110
“ (…) los niños son las flores de la Humanidad!” In página 111
12) Como é que vê a escravatura e tráfico de crianças, em países como o Gana, por exemplo?
Vejo como um problema muito grave. Assim como os maus tratos sexuais às crianças europeias e americanas; e à pedofilia também associado ao tráfico de crianças europeias e asiáticas...
“(…) caneta ser a arma do pioneiro.” In página 29
A última frase estava escrita nos cadernos do ensino primário: “a caneta é a arma do pioneiro!” (Ondjaki)


Não menos importantes são os «ensinamentos de vida» que os professores cubanos transmitiam aos seus alunos. A lutarem pelos seus ideais, pela sua educação, pelo seu sucesso escolar.
A amizade e a inveja

Outra questão que é analisada no romance está relacionada com a amizade versus inveja.
Seguem-se alguns exemplos que mostram bem essa dualidade:
• “Já a Petra todos os dias estudava, metia raiva, aquela miúda (…)” In página 23
• “Bem feita, que é pra não se armar em chica esperta e ver se fica um bocadinho menos agitadora.” In página 31
• Fui abrir a porta ao camarada António, e claro que lhe disse que tinha chaves e que não era preciso.” In página 33
• “A Petra só dizia com ar de gozo (…)”
• “ – Ró…” In página 66
• “ – Só não podemos cair, Ró, não podemos cair…” In página 69
• “ A Romina agarrou-me a mão com muita força, (…)”In página 69
• “ Eu e a Romina éramos amigos há muito tempo (…)” In página 73
• “ Para mim tinha sido bom, agora que tudo tinha passado, termos corrido juntos.” In página 74
Confrontado com esta dualidade de sentimentos que o narrador expressa principalmente com Petra e Romina, o autor do romance afirma que: “a Petra e a Romina foram um pouco “aumentadas” para imprimir um outro ritmo à estória. Eu não tinha inveja da Petra, o narrador é que tinha.”
Continuando na análise da rede de afectos do narrador, verifique-se que este nutria uma grande cumplicidade com a mãe (relações afectuosas, carinho), ao passo que o mesmo não acontece com o pai que por exemplo prefere «ouvir as notícias das 13 horas», ao invés de saber como correu a manhã de aulas das filhas.

Relação com a mãe:

• “(…) deu-me um beijinho, foi para a casa de banho (…)” In página 23
• “ Deu-me só um beijinho e disse-me para eu pensar naquilo do 1.º Maio para a rádio (…)”In página
• “ O sonho foi tão barulhento e cheio de confusões e tiros, que a minha mãe teve que me acordar quase de manhã a pedir-me para eu não dizer tantos disparates enquanto sonhava.” In página 48
• “ – Correu tudo bem, filho? – a minha mãe veio me dar um beijinho.” In página 61
Em relação à temática de afectividades, entre o pai e mãe, Ondjaki revela que “Por alguma razão nem o pai nem a mãe aparecem tanto na obra. Acho que literalmente eu tinha outras prioridades...”
A questão da oralidade

13) A questão da oralidade africana é algo que está bem patente neste romance, através da forma como explicita as ideias, dos vocábulos que utiliza, da construção frásica. Como é que vê a questão da oralidade, tão patente nos seus ancestrais? Acha que é fundamental na História de um povo, e daí quere-la transmitir nas suas obras?
Não, não quero transmitir a “oralidade africana” nos meus romances. Quero escrever romances que têm um estilo e um ritmo que a própria estória-ficção me dita. É só isso. Porque é muito fácil dizer que BDC ou o livro “Quantas madrugadas tem a noite” tem muita influência da oralidade africana, mas depois se formos falar do livro “O assobiador” ou mesmo o “Actu Sanguíneu”, onde é que fica essa oralidade? Penso que se trata de estilo e de necessidades, ou soluções, estéticas. Entenda que os vocábulos que utilizo e a construção frásica num livro como BDC, são uma “solução estética” para o livro em causa. Servem melhor ao livro e à estória que queria contar. Não servem um propósito maior de transmitir a oralidade africana...


Linguagem e estilo

14) Através da consulta da sua biografia constatei que desde cedo se dedicou à leitura de vários nomes da literatura, entre os quais Satre. Como comenta a afirmação do escritor: “ Ninguém é escritor por haver decidido dizer certas coisas, Mas por haver decidido dizê-las de determinado modo.” Considera que a introdução de determinados vocábulos de Kimbundu, por exemplo, nas suas obras as torna peculiares?
Não... O kimbundu é um “pequeno” recurso, aliás, natural, porque eu sou de Luanda e há grande influência da língua kimbundu na zona de Luanda. A única coisa que poderá tornar um livro peculiar, ou bom, ou interessante, é a sua “força literária”. Como isso se manifesta, é discutível, pode ser o ritmo, o conteúdo, a abordagem, o formato, etc. Mas se não tem alguma força, alguma “intensidade de conteúdo”, então você até o pode escrever em grego misturado com umbundu, não é por isso que chega ao mérito literário.
Ao lermos o romance apercebemo-nos da existência de inúmeras palavras, dito «calão» que abaixo se transcreve:
• “(…) yá (…): In página 16, narrador
• “ Ele estava a chorar e bazou para casa!!!”: In página 17, narrador
• “ é ir falar, né?” In página 25
• “(…) a Taag depois ainda melhorou uns coche (…)”In página 27
• “(…) ché!, eu ia zunir bué(…)In página 28
• “(…) haver uma borla todos os dias (…) In página”28
• “- Epá (…) e tinha bué de feridas…” In página 29
• “ (…) gamam mochilas, te chinam, violam miúdas (…)”In página 29
• “ (…) ché, só o poster!, tava a matar.” In página 34
• “ – Sim, ninguém gama essas tartarugas?” In página 35
• “O macaco lhe esticou uma lambisgóia do lábio que até saiu sangue.” 35
• “ (…) até fiquei burro, poça, (…) “ 35
• “ O macaco delirava, dava saltos mortais na cabeça da Kota, (…)”In página 38
• “ (…) avião acelera bué parece que vai se partir todo.” In página 41
• “ (…) o Murtala era muito fobado (…)”In página 43
• “ (…) o camarada presidente passa sempre a zunir (…)”In página 51
• “ (…) quando queres baldar (…) “In página 80
• “ (…) armou-se em parvo (…) palerma.” In página 81
• “ – Ouve lá, meu palerma…” In página 85
• “ (…) aqueles cabrões (…) “In página 85
• “ (…) começa só a desbobinar!” In página 101
• “ (…) também comiam bué de porrada (…)“In página 108
• “ (…) mamou vinte e quatro bifes (…)“In página 121
• “ – Seus burros!, temos que ir de noite!” In página 124
• “ (…) bué de ranho a cair do nariz?!” In página 125
Através da listagem destes vocábulos apercebemo-nos o quão ela é dominante neste romance. De certa forma, deixa de ser estranho, quando o narrador se assume criança, e, de facto este tipo de expressões, mesmo na sociedade portuguesa existe, no meio infantil. É evidente que a linguagem e estilo deste romance se caracterizam pela utilização do calão. Como podemos verificar pela entrevista o autor não pretende de forma directa transmitir a dita «oralidade», se bem que neste romance ela esteja patente, nomeadamente na utilização de frases incompletas, “- Eram mais de cinquenta, tou-vos a dizer…” In página 45.
A não preocupação da utilização de sinais gráficos (travessão) para iniciar o discurso, assim como as pausas no mesmo: “Mas, camarada António, tu não preferes que o país seja assim livre?, eu gostava de fazer essa pergunta quando entrava na cozinha.” In página 13
A forma como o pensamento e a linguagem se misturam, assim como o recurso a vocábulos em umbundu, como por exemplo: camba, campar, candengue…






A poesia de Ondjaki

15) tinha aprendido que era muito importante
criar desobjectos.
certa tarde, envolto em tristezas, quis recusar
o cinzento. não munido de nenhum
artefacto alegre, inventei um espanador de
tristezas.
era de difícil manejo – mas funcionava.
In: Materiais .., p. 7
Fernando Pessoa não consegue fruir instintivamente a vida por ser consciente e pela própria efemeridade. Muitas vezes, a felicidade parece existir na ordem inversa do pensamento e da consciência. Considera que o próprio Ondjaki traduz essa mesma tristeza nos seus poemas?
Há pouca tristeza, digamos assim, na poesia que tenho publicada. Publiquei três livros de poesia, e o primeiro só está disponível em Angola. Nesse primeiro, eventualmente, poderemos encontrar traços dessa “tristezura” que, sim, muitas vezes se passeia dentro de mim... Mas os outros dois livros, penso que não. Justamente gosto deles por se oporem a esse mundo interno um pouco menos alegre que tantas vezes me assola. É o meu lado de poeta, menos festivo e mais sério, talvez, que o meu lado de contador de estórias. Há muitos anos que deixei de entender o significado da palavra felicidade. Busco mais os meandros arejados da palavra “equilíbrio”...






A sua passagem por Portugal

16) Apesar de não valorizar vivamente o seu curso de sociologia, até que ponto alguém que tem uma base de formação num estudo de interacção de diferentes pessoas, em diferentes tipos de sociedades, lhe permite uma adaptação aos diferentes locais por onde vai passando?
Não sei... Acho que há sempre uma componente profissional e uma componente “pessoal” em tudo o que fazemos ou somos na vida. É-me difícil separar isso. Eu tenho graus relativos de adaptação aos locais por onde passo, e às vezes, dentro de mim, não seu bem aquilo que vou aparentando ser, não num sentido cínico de me dar às pessoas, mas porque, como todos os seres humanos, elevadas contradições entre sentires se operam dentro de mim, ao tomar contacto com diferentes pessoas ou lugares. Adapto-me, assim, a alguns lugares do que a outros. Por exemplo, nunca me adaptei a Nova Iorque, e fiquei lá apenas 6 meses, quando deveria ter ficado 3 ou 4 anos a fazer um mestrado. Inclusivamente saí de lá, abandonei o mestrado em virtude da minha “impossibilidade” de ali viver pacificamente... A vida é cheia de tendências...
17) Numa outra entrevista dada em 2007, Ondjaki afirmava que o facto de ter estudado em Portugal, mais concretamente, em Lisboa, lhe havia permitido e passo a citar “livrar-me de alguns mal entendidos históricos que carregava.” Que mal entendidos eram esses e o que o fez mudar de opinião?
Bom, crescendo em Luanda, nos primeiros anos após a independência, processavam-se, ao nível da escola, alguns equívocos relativos à ideia dos “colonialistas”. Com isto não quero dizer que não se passavam também as ideias correctas (do ponto de vista histórico) de todo esse complexo processo. Mas havia, na minha cabeça, sobretudo enquanto criança, uma ideia, digamos assim, um pouco equivocada do que eram “os portugueses”. E estar e estudar em Portugal, permitiu-me, obviamente, conhecer alguns portugueses de perto, inserido no seu dia a dia, na sua cultura. Isso libertou-me de alguns preconceitos que eu levava quanto aos portugueses. E confirmou outras certezas, sem dúvida. Também essa vivência em Portugal me permitiu conhecer e contactar com gentes de outros países africanos e do Brasil, o que me despertou para um novo olhar sobre esses povos e sobre o seu modo de usarem e falarem a tal de Língua Portuguesa.

18) Há previsões quando virá a Portugal?
Não.
Ligação ao mundo das Artes

19) A sua mãe era professora. De certo modo por episódios familiares que conheço, ter um pai ou uma mãe professores marcam a nossa infância. Há sempre aquela preocupação, acompanhamento individual. Terá sido que o levou para o mundo da escrita?
Sim, a minha mãe era professora. Isso teve muita influência, acho eu, na minha relação com a língua portuguesa, e com o acto de ler, talvez. Com a escrita, não sei dizer. Não acho que exista um modo de se saber como é que alguém chega à escrita (de livros), embora muitos escritores estejam convencidos que sim, que sabem como foi... A minha mãe e também o meu pai, sempre tiveram um zelo muito grande com a nossa educação, com a escola, os deveres de casa, estudávamos durante as férias grandes, etc. A escola, a academia, sempre foi uma prioridade demasiado séria em toda a minha família. A escrita chega porque tinha de chegar. Assim como um dia poderá ir-se embora.
20) Quem foi a primeira pessoa a ter contacto com aquilo que escrevia?
Não me lembro... Não sei bem... Porque “aquilo que escrevia” teve vários formatos. Primeiro foi a poesia em cadernos meus, depois escrevi um jornal na escola, ainda em Luanda, mas isso eu considerava uma espécie de ficção humorística para fazer os jovens colegas chegarem à leitura. Não gostavam de ler os meus colegas de escola, e se fosse algo cómico, satírico, aceitavam ler. Fiquei fascinado com o poder dessa ficção que “fazia ler” até os que não gostavam. Vi que se tratava de uma questão, afinal, de conteúdo. De estilo também, mas sobretudo de conteúdo. Depois comecei com os contos, e aí deve ter sido algum familiar, alguns amigos...
21) Se eu lhe pedisse uma frase para cada um, que caracterizasse a literatura de Luandino Vieira, Mia Couto e José Eduardo Agualusa. Quais seriam essas 3 frases?
Não saberia dizer... São três importantes escritores de Angola e Moçambique, com trabalhos e contextos distintos entre si. Mas preciso dizer que Luandino Vieira e, por exemplo, Ruy Duarte de Carvalho, são dois autores que estão à altura de receber um Nobel. Bem, é isso que eu sinto como leitor universal, não como cidadão angolano.
22) Considera que o facto de ter crescido, numa cidade multicultural como Luanda poderá ter contribuído para acentuar o seu lado criativo na Vida?
Sim, não sei se há uma relação directa, mas Luanda tem um ritmo de vida, de quotidiano, que certamente influencia quem lá vive. Há quem se deixe contagiar menos ou mais, há quem seja mais ou menos exuberante nessa vivência, mas ela é poderosa no seu ritmo e pressão.
23) Para além da sua relação com a escrita destaca-se a sua ligação à pintura, teatro e cinema. Como é que nasce esta sua ligação a todas estas formas de arte?
Foram épocas de experimentação, além de que, sinceramente, mesmo me considerando um perfeito amador, gosto muito de teatro. Gostaria muito de voltar a actuar, um dia destes... Mas, de resto, são coisas que faço para me experimentar, para me conhecer, e depois voltar à escrita. Com o tempo vamos limando as nossas ferramentas... E as minhas usam ser as da escrita.
24) Como foi iniciar este romance? Quantas vezes teve de modificar o 1.º parágrafo? O que custou mais, o iniciar ou o finalizar do mesmo?
Não, o primeiro parágrafo não alterei muito, acho eu... Foi natural começar o romance, porque estava com pressa de o entregar, tinha um prazo, digamos assim, acordado com o editor angolano... O que mais me custou foi fazer a “travessia emocional” pelas memórias que tive de invocar para chegar ao livro como um todo. Fiquei surpreendido com o poder sensorial dessas invocações... E acaba por ser um trabalho muito terapêutico, por razões óbvias.
25) Que misto de sensações o rodearam ao ter na mão o seu romance publicado, Bom Dia Camaradas, sendo este o 1º?
Foi interessante... Na altura senti que tinha feito uma longa caminhada para chegar ali. O que não era verdade. E como era uma estória tão autobiográfica, eu olhava para aquilo mais como um caderno de memórias do que como um livro de ficção. Só anos depois me fui apercebendo de que havia feito, de facto, um interessante exercício de transposição das memórias para a ficção. Mas não posso falar muito disto, porque fica mal estar a elaborar sobre o meu livro...
O Autor pelo mundo

26) Aquilo que temos vindo a assistir nos últimos tempos é que os grandes nomes da literatura africana se têm vindo a separar fisicamente do seu continente de origem e a estacionarem por outros locais no mundo, que não África. Sente que tal fenómeno, se deve ao facto de o Governo Africano ainda não ter criado as condições ideias para o desenvolvimento dos diferentes tipos de Arte e não reconhecer o potencial dos seus «filhos»?
Não. Estou convencido que, na maioria dos casos, tem a ver com circunstâncias do foro pessoal, e não profissional. Sabemos de casos que estão relacionados com as opções políticas dos escritores, e esses são casos específicos. Agora, África é um continente, e eu não sei do que se passa em todo o continente, nem estava ciente, antes de você me dizer, que os grandes nomes da literatura africana se separaram do continente de origem... Realmente não sabia. Assim como também desconhecia que havia um “Governo Africano”, ou, querendo ser mais condescendente com a sua terminologia, não sabia que os governos africanos (no plural) se comportavam como uma entidade uníssona que “não cria as condições ideais para o desenvolvimento dos diferentes tipos de Arte”. Na minha modesta opinião, o continente africano que conta com 54 países, apresenta uma diversidade étnica, cultural, política e ideológica tão intensa, que não me fica claro como será possível falar, ou pensar, num “Governo Africano”... Mesmo enquanto ideia abstracta, a designação certamente abusaria da generosidade do termo “ideia abstracta”...
27) Mia Couto tem um livro intitulado Cada homem é uma raça. Apesar de as suas raízes se fixarem bastante no continente Africano, mais especificamente, Angola (Luanda), como é que vê o seu deambular pelo Mundo? Entende o fenómeno da globalização como a aproximação de raças e culturas, permitindo dar a conhecer ao Mundo as suas raízes?
Bom, são sempre opções pessoais... E a viagem é um cruzamento de circunstâncias entre aquilo que a vida nos permite, e aquilo que decidimos que queremos fazer dela. Pessoalmente, sempre gostei de viajar e isso sempre me ajudou a ver e a compreender melhor as outras culturas. É esse o grande ganho, sim.

28) Os seus livros encontram-se já traduzidos em diversas línguas, francês, inglês, alemão, italiano, … Como é que um escritor ainda tão jovem, 33 anos, vê todo este reconhecimento espalhado pelo mundo?
Sinceramente, penso que esse escritor de 32 anos (ainda não fiz 33) tem que se concentrar em escrever melhor o seu próximo livro. E crescer: lendo, comparando, viajando, concentrando-se na seriedade da sua escrita. O que é a seriedade? É a honestidade literária. O saber cortar quando tiver que cortar. O saber estar calado quando nos fazem perguntas às quais não sabemos responder. Saber optar pelos momentos certos, pessoais e literários, sem ceder à vaidade. E é sabido que a vaidade nos chega e nos “ataca” por mecanismos secretos. Há que estar atento. E seguir a viagem com alguma tranquilidade. É isso que digo a esse escritor quando o encontro ao espelho. Se ele acredita, não sei...
29) Em relação ao acordo ortográfico. Não considera que a sua prática põe em causa a singularidade da literatura numa cultura, seja ela, qual for?
Só penso que não entendi bem quais foram as razões que levaram as pessoas a fazer e assinar este acordo, neste preciso momento. E por outro lado, quanto às consequências, só saberemos daqui a 50 ou 100 anos, porque agora estamos ocupados, ainda, em viver o processo. Portanto, desculpe, não sei quase nada sobre esse tal de acordo ortográfico....
30) Estamos em 2010, pode-nos adiantar em primeira ou segunda mão, como quiser, que tipo de género literário se encontra a escrever ou tem em mente?
Estou a terminar a revisão de um novo romance, o que normalmente leva algum tempo. E a terminar estórias infantis... E também a rever um antigo livro de poemas... E também a rever um novo livro de contos...
31) O quê que no seu ponto de vista faz com que um leitor que não saiba quem é o autor do romance, neste caso o Ondjaki o identifique pela forma como escreve?
Não saberia responder... E espero que o leitor se interesse pela obra, pela estória a ser contada, e não pelo autor. Não preciso que me identifiquem como autor, mas gostaria que considerassem o que conto uma “boa estória”. Apenas isso.


32) Quais as diferenças para si entre estória, história e História? Nós cá em Portugal não usamos a palavra estória!
Aprendi na 4ª classe que História, com “h” maiúsculo, era o que de facto se havia passado, sobretudo relacionado com factos e personalidades históricas. Nomes e personagens. Etc. História, com “h” minúsculo, é uma simples estorieta, um facto normal, comum, que de facto aconteceu, mas que não envolve personagens ou situações históricas. Um almoço, um “causo” de rua. E “estória” é algo mais subjectivo ou relativo, que depende de quem conta, e certamente deve conter algo de ficcional...

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